As folhas da relva

Vocês que me escutam aí em cima! Você aí ....

algum segredo para me contar?

Me encare enquanto assopro o discreto poente,

Seja sincero, ninguém está te ouvindo,

só vou ficar mais um minuto.

Me contradigo?

Tudo bem, então .... me contradigo;

Sou vasto .... contenho multidões.

Me concentro nos que estão perto .... espero na porta.

Quem terminou o batente e vai jantar mais cedo?

Quem quer passear comigo?

Você vai falar antes que eu vá embora?

Ou virá quando já for tarde demais?

O falcão pintado dá uma rasante sobre mim e me acusa ....

reclama de minha conversa fiada, minha preguiça.

Também não sou facilmente amestrado ....

também não sou facilmente traduzível,

Solto meu urro bárbaro sobre os telhados do mundo.

A última nuvem do dia se demora por mim.

Lança minha semelhança após o resto,

fiel como todas nos ermos sombrios,

Me incita para o vapor e para o crepúsculo.

Vou-me feito vento .... agito meus cabelos brancos

contra o sol fugitivo,

Esparramo minha carne em redemoinhos

e a deixo flutuar em retalhos rendados.

Me entrego à terra pra crescer da relva que amo,

Se me quiser de novo me procure sob a sola de suas botas.

Vai ser difícil você saber quem sou

ou o que estou querendo dizer,

Mas mesmo assim vou dar saúde,

Vou filtrar e dar fibra a seu sangue.

Não me cruzando na primeira não desista,

Não me vendo num lugar procure em outro,

Em algum lugar eu paro e espero você.

(final do poema "Canção de Mim Mesmo",

em "As Folhas da Relva")

walt withman
Enviado por Agllo em 18/08/2018
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