PIPA

Vamos fumar um cigarro?

- Vamos.

Vamos fumar um cigarro em outro lugar?

-Vamos.

Adoro quem não tem medo de ser uma bagana de cigarro

Era fim de outubro, o país estava tenso demais para contemplar a lua em um céu nebuloso que parecia querer chorar. Eu fiz o convite a ela para fumar um cigarro na tentativa de ouvir o silêncio que ecoava no peito, pois somos fracas demais para chorar.

Levei-a para o abismo. Sim isso mesmo, não costumo ter medo de altura, o mundo mais alto está dentro do que os olhos não podem enchergar.

Afinal, quer lugar melhor para sentir o silêncio do que em um abismo?

Os abismos sempre dizem muito da gente, pois é o limite do fim e o começo de si, é viver no limite da mente e da alma, é o encontro das luzes com o brilho desatento de olhos perdidos escondido por trás de um óculos que refletem muito pouco da nossa existência.

Ao fundo músicas que iam do Axé dos anos 90 sacudindo e abalando quando o amor passasse ao preço que se paga é tarde demais de engenheiros do Havaí e de fato pagamos um preço tarde demais, logo ouvir o badalar dos sinos era ensurdecer as horas, pois erramos a ida para casa.

A lua cintilava e cada palavra era um trago engolidor, um grito em meio a cidade que dormia e era vigiada pelas luzes vermelhas de um carro da polícia que não se importou de estarmos sentadas a beira de um abismo contemplando estrelas mortas.

Contei um pouco das minhas paixões e crises dos quase 30 (ela insistia em dizer que já estava com crises dos 30) e de como me sentia perdida em meio a tantos morros e de não poder ter fôlego para contemplar a paisagem de entardecer.

Eu não consiguia olhar diretamente nos seus olhos, a árvore seca que já representou tantas histórias para mim, parecer dizer que estava viva era só eu olhar para o lado, mas meio que de canto de olho vi seu nimbo escorrendo por entre o campo debruçado sobre o capim seco.

E enquanto os cigarros são consumidos entendemos que só é bom soltar pipa encima do morro.