À LOUCURA, UM BRINDE

Vimos, eu e ele, propor um brinde

Nós, que aqui trovamos ao romper da aurora

Vós, que errais, buscando que finde

A dor e angústia que do mundo aflora

As rimas se avultam plácidas em tão severo ambiente, ratificando a doçura do firmamento que o enclausura, mas contrastando com as atrocidades de um mundo putrefato que elas buscam travestir, numa tentativa homérica de confirmar beleza e felicidade.

Um brinde aos perfeitos alienados

Que fogem à certeza de suas fantasias

Um brinde aos boêmios embriagados

Que criam para seus mundos belas melhorias

Um brinde aos velhos fracassados

Que desistem da miséria da vida

Um brinde aos novos transviados

Que desdenham o que temos por dívida

É tênue e relativa nossa concepção de realidade. Silentes, convencionamos por contrato os alicerces nos quais erguemos nossos muros e permitimo-nos adorná-los com as matizes que julgamos reais, por maioria. Apesar de cientes dessa condição sutil, desse mero detalhe pactuado, alarmamo-nos com aqueles que rompem os grilhões e se entregam àquilo que suas próprias criatividades se lhes ofertam como real. De fato, revela-se mais crível a realidade que nos é alienada desde o nascimento ante aquela que verdadeiramente pertence a quem a tem criada especialmente para si, somente porque aquelas nos aliciam mais o tato do que estas:

Um brinde aos grandes fanáticos

Que são cegos por suas próprias verdades

Um brinde aos fiéis mentirosos

Que dobram revezes às suas vontades

Um brinde a tudo o que vive e há de morrer e, em especial, um brinde a tudo o que não é real senão dentro de nós e está condenado a apodrecer conosco. À loucura, um brinde!