Eu Quis

Já fiz querer. Por demais quis e demais desejei. Quis a vida que não era minha; quis viver o revés do destino que um dia traçaram para mim. Quis provas das loucuras da vida, quis beber dos pecados do mundo. Quis as belas riquezas do homem, a fineza da prata ao luar. Quis saber os mistérios de tudo, aprender e sofrer por amar.

Quis um odre do vinho mais caro. Uma orgia na beira do mar; quis os corpos de umas e outras, quis amar e amar e amar. Quis fugir do real temerário, me exilar numa terra de paz, e passar os meus dias cantando os problemas da vida acolá.

Quis bordar no mais fino fio d'ouro um lençol e ali me deitar, e trazer a donzela mais bela para, a noite, me acompanhar. Quis a fama daqueles que a tem, quis fazer-me sabido aos demais, quis poder, e poder ter desdém, sem que alguém me pudesse julgar.

Quis a casa mais alta de todas e de cima olhar tudo passar. Quis querer ir fazer tanta coisa, e deixar de querer eu já quis. Quis mudar, quis trocar e voltar e, querendo, eu quis ser feliz.

Hoje torno a querer nada novo. Dos quereres me resta um triz: Eu só quero a lembrança na mente das pessoas por quem algo fiz. Não me importo para onde eu vou ou o caminho que me levará, quero apenas um legado vivo naqueles que um dia passaram por cá.