A Máquina

O olhar sobre os ombros me traz lágrimas aos olhos. A maturidade se apresenta varrendo toda a inocência que a infância cultiva. O sonho utópico de ser especial, de fazer a diferença não é capaz de transpor a muralha invisível e inexorável da futilidade da vida adulta. O cotidiano de uma existência sem propósito faz esmaecer a imagem daquilo que queríamos entregar para a sociedade, elevando essa a despeito de nossas identidades, aglutinando-nos a outros como nós, e transformando a todos em meras engrenagens que fazem tudo acontecer.

Penso comigo que os grandes gênios da humanidade, aqueles que ofertam em seus espólios as conquistas das quais as gerações próximas usufruirão, são não mais do que adultos que não se deixaram furtar a terna candura dos primeiros verões, negando o grande mecanismo e não se deixando fazer mera peça da máquina que deveria controlar. Felizes, talvez, esses fossem, não fosse o monstro tão sórdido por fora quanto podre o é por dentro.

É nessa fábrica de horrores que parimos a todo instante, junto às nossas crianças, os vermes que lhes hão de devorar os sonhos, como fizeram a nós e aos que nos eram pretéritos, e assim a máquina pode se recompor de suas peças perdidas, sem que as baixas sejam sentidas com força suficiente para abalar sua (in)sanidade.

Temos a missão de galgar amiúde as entranhas da entidade que criamos e nutrimos enquanto ela nos consome pouco a pouco, e no fim da escalada, quando frente à escarpa, a covardia eleva o passo adiante e a prudência o faz retroceder. Ou seria o contrário? E assim continuamos. Não estagnados, posto que o repouso traz acalanto, mas num movimento badalado que nos atiça os sentidos sem, porém, nos tirar do lugar, pois que ali estamos condenados a permanecer.