Lua de Lobos

Desde que me ausentei dos desajustes humanos, habito a caverna dos sussurros. Entre o cheiro de urina que demarca a entrada deste beco até o fim da linha, sinto-me especialmente abrigada entre amigos. Aqui escondo-me da solidão sarcástica da humanidade em declínio. Já que abdiquei de tudo, até das jóias que tanto amava. Mas... para quê uma loba necessita de jóias se possui topázio no olhar.

No fundo azul da caverna, encolhida eu gargalhava,

entre os uivos de tesão das lobas enlouquecidas num cio de rubi, entre pêlos suados de machos ensandecidos numa entrega total e subjugada.

Ás vezes eu tinha alucinações nas sombras, e numa noite , vi entrar na caverna um vulto prateado que acariciava os lobos. No entanto, não se aproximava de minha figura patética estampada na moldura adotiva da alcatéia. Talvez porque sentisse o cheiro acre de poros humanos. Poros que matam, esfacelam... retalhando vidas.

Por certo descera da lua em carruagem serenita, buscando o prazer da visão noturna em pêlos, macio de instintos, “cordeiros” imantados de bocas e línguas ferozes, num adocicado tremor animal.

Minha pele adquira o tom avermelhado de terra batida. Minha postura definia a loba inconseqüente que morava no ego estúpido outrora humano, desapegado da natureza.

Unhas em garras cresciam nas patas em dedos femininos. No breu da solidão eu emergia branca, fêmea de pelagem macia. Submersa em desejos no recôndito de minhas entranhas.

Em certa madrugada insone, ouvi tiros. Rifles desgovernados em mãos assassinas.

Caçadores! Escória!

Sem pestanejar, com mãos multiplicadas em patas, corri.

Nos olhos da loba mulher, a lua em holofotes iluminava a trilha... de repente o disparo, atingindo meu coração . Caí sem vida...

Uivos prateados caiam em gotas preenchendo crateras na alcatéia em pânico que rodeava meu corpo.

Os olhos de topázio, certamente enfeitariam um pescoço em algum salão taxidermista onde a cobiça ignore a natureza!

Lu Cavichioli

lise poeta
Enviado por lise poeta em 02/11/2005
Código do texto: T66716