A Cidade Me Atravessa

A cidade passa batida, sem freio, e leva de mim algumas partes da memória. Alguns fragmentos de alguma coisa que tem cheiro. De alguma coisa que um dia deve ter sido, não sei bem o que. O frio, o gelo seco, a neblina opaca que evaporam sem tempo dos suores filhos do calor humano entorpecem a pouca delicadeza que ainda lembro ter. Talvez. Braços se batem. Pernas se esfregam. Sapatos se atropelam. É o ritual do frio. Entrechocando a distancia sua permanência. Esticando minha jugular como corda da sua depressiva sinfonia de um só instrumento. Um só tom. Em mezzo. Constante. Metrificado bater de relógios aos surdos. Labirinto pra que te quero! Labirinto, não me falte! Não me faça falar outras mil vezes: meus botões estão a rodar aos graus possíveis, ou não, por não mais agüentarem ladainhas. Atrás do rabo. Atrás do rabo. Atrás do rabo. Atrás do rabo. É da tontura que há equilíbrio! Vive-se em uma cidade feliz. Eu sou feliz. Meus botões não dizem o mesmo. Eu digo o mesmo! Não digo nada de novo, mas acabado falando tudo outra vez. Gaia! Eterno. Eterno. Eterno. Tu não te laçarias ao chão e rangeria os dentes e amaldiçoaria o anjo?! Eu beijaria sua fronte, lamberia-a se fosse fêmea. Mas não posso. Sou autoproclamado e auto-enclausurado artista da febre embebedado às tapas pelas gentes que me preterem com o amor que lhes povoa as veias. A cidade não me aprisiona. A cidade me rasga. E eu não sou mais eu se um dia fui e se fui e se sou eu não sou o que teria sido. Nunca. A cidade passa. E fica. Passa. Mas não vai. Retorna sem ir. ‘Quero isso ainda mais uma vez e inúmeras vezes?’ - ‘E tudo na mesma ordem e seqüência’. A cidade é a razão. Estenda-se. Renda-se. Despeça-se. Ou não.