Por Amor

Não havia nada de entranho naquela noite que pudesse fazer suspeitar o mais insistente pessimista. Uma delicada brisa corria pelas vielas da cidade noturna, trazendo em si o pútrido sussurro da morte.

A vizinhança nobre jamais poderia prever que naquele silêncio noturno a lâmina fria do punhal refletiria a luz das estrelas para, enfim, tomar por empréstimo o calor que do sangue fresco provinha.

O amor é capaz de confundir a mente dos mais retos. E quem poderia julgar os amantes? Seus assuntos só cabem a eles e tudo o que ama, ama a seu modo. Então, quem poderia condenar aquele homem de lâmina em punho? Ele a amava e ela não respondera em tão bela intensidade.

Ficou ali ao seu lado, esperando que a dama trajada de luto viesse buscar sua presa. Não houve grito, não houve gemido, nem nada que pudesse perturbar a paz daquela noite sem luar.

Não podia aceitar não tê-la. Não podia viver sem ela e, ainda que pudesse, não teria vontade. Sabia que ela não seria mais dele e, por isso, tomou sua decisão final: O punhal faria o coração, que batia por amor, parar pelo mesmo motivo.

Sua vida era dela, e a ela ele se entregava, tingido de escarlate, tal qual as rosas que ela tanto estimara, com espinhos que o penetraram mais fundo do que o punhal. Na manhã seguinte ela se encontraria com sua sublime prova de amor e poderia, enfim, valorar tal sentimento em comparação ao mundo.

Sorriu e suspirou; pela última vez.