Ai!

Despencaram da minha boca ao mesmo tempo um ai e um palavrão, quando apanhei a rosa no jardim e furei meu dedo no espinho.

Enorme espinho. Pelo buraco o sangue escorreu no dedo que foi parar na boca, instintivamente, como fazem os cães quando são feridos.

O gosto de sangue na boca e a dor do buraco no dedo, fazem o olhar da gente, por um átimo, parecer com o dos cães. Cães feridos são perigosos. Isso transparece no olhar. Dos cães e da gente.

A rosa não, ela fura e não sente. E se acha com razão.

- Espinho é pra isso, pra furar.

Rosas não tem expressão no olhar. Não olham. Rosas cheiram e furam dedos e enfeitam. Só.

Cães ladram e olham.

O olhar de um cão, noite fechada, sozinha na rua escura. Dá medo.

Meu avô dizia que se você olhar nos olhos de um cão, não pode demonstrar medo, ou ele te ataca. Tem que olhar firmemente, pra dentro dele, como se estivesse desejando que ele atacasse pra mostrar-lhe quem manda aqui. Pra dar-lhe uma coça!

O espinho faz isso pela rosa. Nos encara fixamente, pontiagudamente, ameaçadoramente. Espinhos não demonstram medo. Deixam claro que estão ali pra espetar, como o cão pra morder, como a gente pra olhar...

E a rosa, pra cheirar bem e enfeitar... só isso. Ah, e pra gente furar os dedos em seus espinhos, claro. Ou não seriam rosas.

Martha Lima
Enviado por Martha Lima em 30/09/2007
Reeditado em 30/09/2007
Código do texto: T674374