Avante, garoto!

Avante, garoto, que o tempo, essa ficção que guia a todos pelo tortuoso caminho da morte, não há de deter-se por causa de ti. És tu quem se deve responsabilizar por toda fortuna ou miséria.

Retire a venda a cobrir-te os olhos e se deixe iluminar pelas trevas do mundo. Veja-se e aos outros, e julga-os, e assume o que és, o bom e o ruim que reinam em ti, como no mundo, em sua dualidade imperturbável.

Quebra as algemas a volverem-te os pulsos. Sabes que pode fazê-lo, só te falta a coragem. Faça por si aquilo que ninguém mais poderia fazer, pois que, ainda que pudessem, ninguém haveria de fazê-lo, uma vez que é sua, e somente sua, a responsabilidade.

Abra suas asas. As mesmas que hoje jazem inertes em suas costas. Lembre-se da dor provocada e do sangue vertido quando brotaram-lhe rasgando a carne. Elas, hoje atrofiadas pelos anos de servidão, hão de reviver suas plumas e seu vigor, que jamais deveriam ter sido perdidos.

Encare de volta o penhasco que te barra a passagem. E voe. Seja o anjo que estivera destinado a ser. Seja Gabriel, arauto das boas novas. Seja Miguel, de espada em punho. Seja Lúcifer em sua rebeldia. Seja o que quiser ser. Seja livre.

Avante, garoto! Brilhe seu brilho ofuscado e faça da vida o que bem lhe aprouver, pois caso não faça, farão de ti, mas pela vontade de outrem e, assim, tua venda se tornará cegueira; tuas algemas, paralisia; tuas asas, fardos inúteis.

Avante, garoto! Coragem. Depende de ti.