Diário de bordo
Quem desmente o milagre? A vida vibra, eu vi, no altar do dia, no cálice azul do firmamento. A rua vazia. O verde profundo das árvores juntas a ouvir os pássaros em ode à melancolia. O globo pálido no meio dia quando o tilintar dos talheres enche as bocas de notícias. As mãos inquietas a por sombra nos olhos contra o céu de domingo. Vi tambem o silêncio arranhado de gritos, lágrimas de medo e aplausos de alívio. No abandono, a dureza do asfalto e janelas subitamente habitadas. Um mar de gente respira, sinto seus débeis sinais. Um cisco no olho que vela o ladrar dos cães, a casa varada por fúlgido sol...Um colosso, a vida, e tão frágil que treme na caixa de ossos.
A solidão esparge um perfume próprio sobre os móveis, louças, livros, lençóis.
O abrir e fechar dos olhos encerra uma lâmina breve sempre a cortar a vida em cenas banais. Juntas ocupam o espaço de um dia, forrando o anoitecer.
Quem cala a poesia? Se no silêncio está o cântico como a noite abriga o raiar do dia, de novo, o dia.