Depois da demora

Havia pedaços de vidro no chão e caixas deixadas junto à porta.

Também tinha uma flor murcha de plástico enfeitando o arranjo da sala.

De pé - como toda garota sempre precisa estar - ela fitava a cena redonda e monótona.

Fora um adeus gélido, sem pegadas. Um partir desacelerado e sem demora.

Depois eu vi algumas gotas escorrendo pela sua face.

Em meio ao sal e às caixas, ela tira as sandálias cor de prata.

Então descalça e cansada, ela ensaia um sorriso úmido e salgado.

Foi de relance, mas deu para perceber quando ela desistiu.

Primeiro um mergulho rápido em si mesma, depois ela sumiu.

Agora ela se cala!

Passou algum tempo e nada mudou. Ainda assim, ela não é mais a mesma.

Na face, agora, ela sustenta um riso falso e fingido, por vezes até esboça uma gargalhada solitária, fria e desesperançosa.

Houve um novo intervalo de tempo, dias talvez... Ela – ainda de pé - ri e chora, por dentro e por fora. Novo vazio, nova demora.

De tempos em tempos, ela brota. Depois ela ri, quase sempre ela chora. Horas depois, se controla. Às vezes ocorrem alguns gritos mudos, mas logo depois ela volta.

Certa manhã, o despertador toca, novamente ela acorda. Sente o estômago pesado, cheio de sentenças engolidas a contragosto.

Ela se volta para si e para o agora.

Novo suspiro, com o peito regado de angústia ela se debruça sob a imensidão de ser o que não pode, de desejar o que não quer, de perder o que nunca teve. O arrependimento a devora.

Instantes depois, mais velha, ela ainda é a mesma de agora. Não são os cabelos brancos nem as rugas e nem a voz cansada. É que ainda resta aquele sabor ranhoso na garganta, aquela dorzinha no amago, aquele aperto no peito ao inspirar.

Tanto tempo depois, ela ainda segura o grito e desaba. Lá, onde ninguém pode ver, ninguém pode sentir e nem tocar, é onde ainda faltam pedaços. É onde ela se cala, desmorona e chora.