Memórias de um toco

Depois de apanhar muito, o velho toco repaginado descansa na sala. Virou uma linda mesinha de centro com um tampo de vidro chique, como se fosse condecorado com a medalha de funcionário-padrão. Era uma peça útil antes, posta em um celeiro ou em uma área de serviço. Agora foi promovido a adorno. É um protagonista premiado, parte importante da decoração da casa. Sua finalidade é enfeitar.

Por sua natureza rústica, não pede as românticas flores. Uma cabeça de cavalo, por exemplo, lhe cai bem melhor. Ainda serve na sua utilidade e valor de objeto. A gravidade, como sempre favorável e amiga, permite que ele acolha uma xícara de café, um copo d'água ou de uísque. Aceita também um pratinho de biscoito, mas só na hora do lanche. A dona da casa, em um gesto caprichoso e afetivo, exige que ele retome logo a sua postura majestosa de objeto principal entre tantos outros dispostos no ambiente.

É impressionante como um objeto desse fala com o coração da gente. Ele estabelece de imediato, aos admiradores e familiares, empatia e cumplicidade. Seu drama passado sangra em suas formas maquiadas, a figura paterna ainda empunha ao seu lado um martelo, mas ele repousa imponente, entre os móveis, com uma postura digna e vitoriosa de quem sobreviveu.