O SER POETA

Para alguns sou um poeta,

mas não aceito tal como dizem

pois sou, na realidade,

quando muito, um mero escriba,

um copista da poesia que existe

e que se vê no cotidiano.

Poeta mesmo é o pai que frente ao filho,

mão espalmada (gesto sagrado)

repete o verso usado e sempre inédito:

- “que Deus te abençoe...”.

Poeta mesmo é o operário

que dia após dia, a caminho do trabalho,

pensa e repensa

(casa, mulher, filhos, compromissos...)

e no alto dos andaimes assenta tijolos

tecendo paredes dos arranha-céus

- ciclópicos versos do século XX...

Poeta também é o cientista

que, privando-se muitas vezes

do lazer e do prazer,

pesquisa um vírus, um novo remédio,

ou tenta provar uma nova teoria...

Poeta de verdade é o vaqueiro

que nas caatingas, nos alagados,

nos pampas, nos cerrados

e nas campinas

abóia à tarde tangendo o gado

(tangendo a sua própria vida)

e diz suas mágoas e seus sonhos ao vento

platéia constante dos seus recitais...

Poeta maiúsculo é aquele

que mesmo avançado nos anos

ainda sonha, ainda confia,

ainda se pensa plenamente jovem,

não de uma juventude inconseqüente

mas de espírito lúcido e criativo...

Poeta é todo aquele que constrói

bens tangíveis e intangíveis,

imagináveis e imprevisíveis...

Poetas, assim, são todos os trabalhadores

pois é poesia pescar,

caçar, curar, plantar,

tocar, cantar, dançar,

esculpir, pintar,

educar, orientar, ajudar,

aconselhar, compreender,

perdoar, acolher...

pois há poesia em tudo o que se faz

com amor e por amor.

Nessas condições,

talvez eu seja poeta,

pois sou pai, trabalho

e não pelo que escrevo

pois esses versos

eu os recolho no tempo

como frutas maduras,

portanto não me pertencem...

Poetas somos todos nós homens e mulheres,

especialmente aquelas que oram

e mais ainda as que se deixam fecundar

e geram versos vivos

que lhes rompem as entranhas,

que lhes sugam o leite,

que lhes consomem as horas

aos quais, esquecidas de todo sacrifício,

carinhosamente chamem de “meu filho”.

Petas, enfim, somos todos nós

em maior ou menor grau.

Entretanto, entre nós

há alguns mais iluminados

que indo além do comum

tornam-se copistas da poesia

que se faz vida afora

diariamente...

Belém, novembro de 1981