A criança eterna.

Tem o tempo de brincar e o tempo de ir desvinculando lentamente, mas com passos decididos da infância, deixando as bonecas e assumindo seu espaço no mundo e na sociedade.
Este deveria ser o caminho natural de todas as meninas – em geral são meninas. Contudo, algumas por algum trauma sofrido na infância escolhem não evoluir, escolhem ficar naquele espaço/tempo indefinidamente, repedindo atitudes e se recusando a crescer.
Alguns chamam de Borderline, a criança interrompida.
É uma expressão que traduz exatamente o que acontece com essas meninas, porque em geral são meninas.
Aí ela vai virar uma adolescente, para seu desespero os seios irão crescer, e para seu espanto vai começar a chamar a atenção dos meninos.
Ela só tem vergonha, diria até que quando chegou à escola pública mista, ficou com medo dos meninos, eles pareciam assustadores, falando alto e sendo tão diferentes do silêncio das escolas de freiras e das delicadezas das colegas de classe.
Ela olha assombrada os adultos, às vezes maravilhada com novas possibilidades, mas em outras assustada com palavras e atitudes que ela não tem maturidade para entender. Ela ainda não entende a maldade, ela não entende ironia, ela não entende duplo sentido, ela é ingênua como as crianças costumam ser.
Quando a criança habita um corpo de mulher as coisas começam a piorar, pois a sexualidade aflora e ela não tem a mínima ideia do que fazer com tudo isto. Nestas alturas os homens começam a ser interessantes e atraentes, misto de desejo e culpa pela formação católica, ela não sabe como agir.
Contudo, os homens sabem, e qual imã, ela se torna objeto de desejo de muitos.
A confusão só aumenta e os dilemas existenciais começam a doer na alma.
Onde foi parar o príncipe prometido?
Onde o resgate amoroso com um beijo casto?
Perdida e confusa a criança em corpo de mulher age conforme pensa ser o que se espera dela, cada vez mais mergulhada em conflitos existenciais, misto depressão e euforia, ela já se perdeu de si, aliás, nunca soube de si, ela se procura em todos os cantos, em todas as esquinas, a solidão começa a doer.
Sabe-se lá por quais arranjos dos anjos consegue trabalhar e contabilizar dois casamentos e dois filhos. A culpa continua, pois não sabe ser mãe, tendo que ela mesma ter alguém que faça este trabalho por ela.
Assim o corpo vai amadurecendo, a idade começa a mostrar seus estragos no corpo, mas a criança está lá, a criança não quer partir nem sequer conviver com aquela estranha que não permite mais que ela corra pelas ruas nem brinque de bonecas, nem que possa dizer o que pensa na hora que pensa, porque é feio, imagina uma senhora desta idade, como ousa?
Todavia, ninguém sabe deste conflito interno que machuca tanto, ninguém, ela é cobrada para ser uma mulher madura e agir como tal.
No decorrer da vida mimetizou comportamentos através da observação dos outros, possuidora de uma inteligência superior ela conseguiu empiricamente aprender a ser como esperavam que ela fosse, não sem se sentir invadida e violentada todo o tempo, contudo, consegue perceber que ninguém sabe, ninguém tem a chave escondida sabe-se onde dos meandros de sua mente complicada.
E não adianta eu me alongar, porque o mais é repetição de uma história dramática de uma criança interrompida que não quis virar gente grande.
Jeanne Geyer
Enviado por Jeanne Geyer em 08/10/2020
Reeditado em 08/10/2020
Código do texto: T7082797
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