O último poema

Ouve amor?

É nossa canção.

Dança comigo agora

cola teu corpo ao meu

e,de olhos fechados

sente-me arder

na infinita alegria

de me saber tua.

Toma meus lábios.

Dá-me t...

Uma lágrima incontida deixa cair-se sobre a folha, manchando as letras e interrompendo a leitura. As mãos ocupadas nada podem fazer. Numa delas o diário, pesado demais para tanta fragilidade, e a outra,segura com carinho a mão de quem foi durante cinquenta anos seu companheiro de versos e de vida, mão cansada e marcada pelo tempo. Fraca, flácida e de uma palidez translúcida, mas quente o suficiente para uma última carícia. Um sussurro. Continua meu amor, só mais este.

Os olhos marejados voltam-se para o papel, e a voz agora mais fraca continua o poema:

Dá-me tua língua

sedenta de mim.

Mergulha-a na minha boca

sorvendo todo mel.

Deita-me em ti

deixa aninhar-me em teus braços

e acalanta-me agora.

Prepara meu corpo que é hora

de possuir-me.

Só tu tens esse direito

só tua sou de bom grado.

vem com tua paixão ardente,

transforma meu corpo quente

na tua última morada.

Vem meu amado.

Um arrepio, um aperto forte no peito,quase uma súplica, trazem um sentimento de medo, dor, tristeza e saudades. O som agudo e a linha reta do monitor cardíaco, confirmam que a poesia acabou.

Ela fecha o diário, segura firme a mão já sem vida, mas que conserva ainda seu calor, e verte. Não lágrimas, mas versos.

Monica San
Enviado por Monica San em 26/10/2007
Código do texto: T710191
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.