[Na Vila das Putas]

[A linguagem direta não é compreendida e não flecha a sensibilidade humana tão bem quanto a sugestão subtendida numa parábola!]

O ar carregado de venenosas intrigas, os balcões e mesas gastos da prosa desocupada, as portas abertas convidando aos conluios, a falsidade como moeda de troca — nada disso me deteve...

Escolhi percorrer as ruas da Vila das Putas; passei a freqüentar diariamente um lugar tão ruim, e tão inútil, que a cidade nem admite que o despreza! Respiro o medo: de onde me viria a bala assassina, ou o punhal maligno que lampeja nas brigas da Vila? Olhar além do trisco do relance é demais, nem ouso...

Das casas, trescala o odor de esperma deteriorado misturado com cigarro e cerveja amanhecida nos copos; na poeira da rua sem os limites do meio-fio, a gosma de vagina misturada na saliva pegajosa cuspida pelas velhas janelas descascadas do tempo; o rego imundo do esgoto esverdeado que termina espraiado largas poças nojentas.

Feito um cachorro forasteiro que trota devagar, temeroso dos ataques da matilha local, eu passeio meu olhar circunvagante por este lugar; percorro a habitualidade de suas ruas e travessas; vejo as mulheres futriquentas da perversa Vila das Putas e os homens sem nenhum escrúpulo, uns canalhas — seres mais escrachados não há, não pode haver — !

Foi o que me sempre disseram e não dei ouvidos; com meus ideais estampados no peito, na testa, adentrei a Vila maldita e gastei os sonhos da minha infância em inúteis batalhas — Castália, oh Castália! Aonde vim amarrar o meu burro?!

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[Penas do Desterro, 30 de abril de 2001] - Poéticas do meu "Caderno 4"]