A COR DO SILÊNCIO 
 
Ando atordoada com o ritmo do cotidiano. Vejo as pessoas transitando para lá e para cá apressadamente e não sei para onde vão nem de onde vêm. Caminham ligeiras, com suas próprias máscaras, indiferentes ou não à agonia deste mundo. E... dentro de mim vou tecendo os desacordos de minha alma. Aquela sintonia fina com a alegria se desfaz. Aquele mundo brilhoso e bonito parece esconder-se por trás de uma cortina de lágrimas.

Na rua os veículos driblam os desafios, as filas, as chuvas de março, transformando a rotina. Eu aqui dentro, no meu refúgio, nego-me a adotar a insanidade. Os desacordos do meu coração intranquilo. Tento manter a calma. Reflito sobre os fatos que inundam minha paz de intranquilidade, beirando o caos. Os tempos se revelam ruidosos, violentos, (as)sintomáticos nessa revolução de sentimentos que rompe as barreiras da dor e da lógica.

Opto, então, por refugiar-me nos versos, no lirismo adocicado, procurando relaxar tensões anteriores. Compreendo que o delineamento dos sentimentos reivindica um mínimo de meditação. Leituras. Orações. Reflexão... A austeridade e a profundeza desses pensamentos não podem acontecer dissociados de constantes imersões nesse amontoado de coisas desabando sobre minhas sofridas emoções.
 
Continuo, portanto, minha rotina deixando pedaços por aí, eu e minhas doloridas saudades, eu e meu isolamento nem tanto assim voluntário. Circulo de um lado para o outro, do frenesi à calmaria e deparo-me com uma indigesta inquietação no modo de pensar sobre essa mudança brutal das coisas. Os corações solidários estão solitários e outros seguem indiferentes.
 
Os sentimentos, esses, se completam na aparência. Na forma. Na cor. Nas mínimas nuanças de seus contrastes. Cruzam-se em alguns pontos e se tocam em linhas convergentes em busca e respostas. E assim eu também cruzo os descompassos dos dias e de todas as coisas. Os tempos mudaram, a humanidade mudou e percebo que eu me tornei uma estranha observadora. Alguém à deriva, às vezes relegada ao meu solitário refúgio, escolhendo cores para retratar afetos e desafetos em pura abstração.

Não sei como definir a cor do silêncio, da alegria ou da lágrima. O silêncio que cor terá nessa triste aquarela? A alegria? A lágrima? A saudade? Todas as tonalidades seriam ilusões de um coração nostálgico.

 No meu quarto apego-me ao que um poeta pode escrever. Entre a poesia e a música ouço o som das vozes que já partiram. Preciso, então, de ânimo para continuar a pintar uma aquarela que nunca comecei. Apenas sonhei dar cores aos meus sorrisos para não mais perdê-los no vazio de minha alma.

E hoje passo, então, a debulhar as emoções que latejam no meu interior, o sopro do vento noturno que assobia em minhas lembranças, a brisa, as flores, os suspiros que me emudecem ou os gritos que sufoco na garganta. E assim, receber o aroma da nostalgia ou a modulação dos meus pensamentos. Pensar a poesia é sonhar em trazer de volta o riso animado que hoje está preso dentro dessa ironia sutil e inesperada.

As recordações, essas sim, iluminam o passado com tochas vibrantes. As imagens se achegam ou se escondem. Não sei mais se é saudade ou lembrança. Se é lembrança ou saudade. Talvez seja até a ressurreição de um tempo que surge nessa singeleza evocativa.