CÓDIGO DE BARRAS

 

 

Alguns anos se passaram. Muitos talvez. Presenciei estações. Primaveras e verões. Derramei algumas lágrimas, sem querer. Calei alguns segredos, sem saber. Guardei cartas... Rasguei. Mas, mesmo assim, as palavras não se calavam. Teimavam, e com ligeireza, rodopiavam. Cantavam. Bailavam. Com essa alegria que todo jovem abriga sem se dar conta de que vive uma felicidade fácil e sem medidas... Tentei apaziguar meu coração, mas de nada adiantou. Queriam falar, essas benditas palavras. Me fazer entender essa coisa que se chama tempo.

 

Pois é, e por falar nisso, eu nem havia me dado conta de que o tempo havia passado. Horas. Dias. Anos... Sabia porém que o espelho era um velho delator. Me espiava em silêncio nessa sua superfície atemporal e eu podia constatar que ali estavam todas as marcas ingratas em minha pele com seus códigos de barra. Não adiantava lamentar. Era eu ali, anos depois de todas aquelas lembranças. Eu mesma! Guardei, então, as tristezas num bisaco. Olhei pro meu velho violão pendurado no armador e sorri... Lembrei de alguns acordes. Pensei ouvir uma melodia cantada por mim. Vozes me acompanhando. Quantos anos haviam passado?

 

Não quis mais embaralhar as lembranças. Havia algumas tão boas que valia a pena reparti-las. Eu sabia que depois, chegaria a saudade e respingaria bem lá dentro de nosso relicário de lembranças... Nosso, sim! Meu e de quem escreveu comigo a minha história. E lá iríamos nós, procurando-a onde ela sempre esteve. Contida em todos os recantos. E a acharíamos todas as vezes em que pudéssemos relembrar que naquele tempo o mundo inteiro era nosso, como se a vida fosse sem mais limites e a alegria estivesse, como posseira, em cada gesto, dispersa em nosso mundo de maravilhas...

 

Por essa razão, sempre foi impossível esquecer essa época de cheiros e sabores diferentes, ou esquecer as pessoas, as flores, as músicas, o nosso paladar apurado e os desejos de ser feliz... Pois então! Não podemos desistir dessa nossa caminhada. Tudo acontece quando nos colocamos diante daquela porta destrancada que se chama amizade. E essa porta parece estar sempre esperando por alguém que venha abri-la.

 

Só agora percebo, a esta atura da vida, que o tempo não parou em uma fase ou outra de nossa vida. E diante disso, dei pra me emocionar cada vez que falo dessas saudades. Deve ser a idade. Ela chega sorrateira e nos açoita. Mas entendo que isso é mesmo o ritmo da vida. E como dizem por aí, tudo passa, mas a amizade fica. E quando fica, voltamos, então, a ser novamente um só mundo. Com essa alegria que todo jovem abriga sem se dar conta de que vive uma felicidade fácil e sem medidas...