Talvez eu seja só isso mesmo
Talvez eu seja só isso mesmo
Só isso
Talvez
E, talvez, isso me baste
Sem criar falsas expectativas
Aprendendo a controlar a fúria da ânsia da idade
A proximidade da morte
Está longe – eles dizem
É jovem
Mas, ontem, era mais jovem
Ontem era mais eu
Ontem, não hoje, era mais capaz
Era mais paz
Talvez sim, talvez não
Ontem era antes
Antes era ontem
Hoje será amanhã
E, amanhã, gera uma ânsia por não ser mais hoje
Por hoje estar bem e querer que amanhã seja hoje
Querer que hoje seja sempre
Querer estar como hoje
Estar bem
Pensar estar bem
Saber estar bem
Só estar bem
Sem medo de amanhã. E por que o amanhã assustaria?
Ontem era hoje e hoje era amanhã
E o que assustava ontem já não assusta hoje
Hoje é um ontem por nascer e um amanhã que chegou sem justificar o medo
A ânsia da idade
Ansiedade
Eu estou bem
Eu estou calmo
Meus pensamentos não me levam mais ao futuro do medo
O futuro parece tão simples como o ontem que virou hoje e o hoje que irá virar amanhã
Sem comprimido
Sendo comprimido
Comprido
O dia
Não?
Curto
Não?
Suficiente?
Sim
Ciente estou de que amanhã pode voltar a ser hoje, mas também pode voltar a ser dias atrás
Dias de medo, sem paz
De pensamentos ruminantes
Pensamentos de antes
Hoje não mais
Depois de tantos dias
Hoje olho e vejo pela janela
A nuvem que anda, sem pressa
A noite que cai
O sol que se foi, mas, enquanto esteve aqui, pôde ser sentido
O vento, o frio, o sentimento de que tudo traz lembranças e nem todas são ruins
A calma
Já não posso curar o que me feriu porque não está em mim
Não está no corpo
E por mais que eu tente trazer essa dor para a pele, para o corpo, ela foge, se esconde e reaparece sem se revelar
Já não posso curar
Não posso curar meu pai
Não posso curar minha mãe
Não posso
Não tenho como curar a dor do outro em mim
Não posso curar as pessoas que amo
Não posso
Não sou curador
Cura a dor
A dor
Tem dor que não cura
Mas cicatriza
Tem dor que vira tatuagem
Que vira paisagem
Que vira miragem
Fantasia
Tem dor que machuca, tem dor que arrepia
Mas a dor é parte da vida
Da ida
Da vinda
Ida e vinda
Pai, mãe, avô, avó, irmão, irmã, filho, filha e dinda
Amor
A morte
Amor é sorte
Mas o amor pode ser forte
Pode vencer a morte, mesmo sem a sorte
Não planejo o que escrevo
Não penso
Prevejo
Só fervo
Às vezes queimo
Outras derreto
Às vezes me afasto
Outras me meto
Inseto
Pequeno diante de tudo
Diante do luto, eu luto
Eu tento
Eu me reinvento
Invento
Tento
Eu fico sem ação
Mas a vida me dá outra e outra razão
Outro destino
Outra motivação
Então já não sou só medo
Escrevo
Não cabe mais aqui
No corpo, na mente
A dor já não me pertence
Porque dor compartilhada é dor vivida
E dor vivida é vida que se sente mesmo diante da dor