Despersonalizado

Olhei-me por fora da janela, e os meus olhos fitam no brilho do reflexo o meu eu. Vejo um corpo decadente, de índole obscura, um amontado de incertezas fluidas, que como a chuva introduzindo a água, molha toda a relva. Vejo-me trovoando por dentro em pensamentos depressivos numa cinzenta sexta-feira. Sou um corpo fantasmagórico, assombrando meu próprio existir quando penso na minha vida. Já não me assusto, apenas tornei-me confuso com minha alma consciente e morta. Perdi-me no próprio desenrolar, nesse enredo do mundo; caminho entre atores sem rostos, todos sorriem a mim, mas enxergo sombras em formato de lábios. Nada me interessa, nem a morte, a abstração que tanto contemplei. Não é sobre morrer ou desistir, é sobre reconhecer-se como espécie do todo. A morte não existe se não penso nela, é como firmar as pegadas na areia da praia: todos pisamos, mas só entendemos o sentimento de marcá-la quando as pernas decidem finalmente o momento de andar.

Penso ou acredito pensar em convicções cegas dos homens. Todos os homens pensam com os olhos, porque o cérebro é passatempo. Vemos as coisas e criamos outras coisas com os olhos, o sentido fulcral da humanidade são bolotas de íris de diversas cores. O problema é que nada vejo quando me exorcizo no espelho: o meu nome como totem, o ceticismo, a vacuidade, o dogma, a ideologia, o corpo, os órgãos, as vísceras, os ossos, o desespero, a dúvida! Nada me é visto quando olho a familiaridade das coisas! Sinto neste temporal aqui fora a lágrima divina banhar-me em inócuas lágrimas internas. Nada vale, não sei de nada. Tudo é estranho, e todas as respostas são miragens abarbadas por um fio de loucura. Entre mim, o louco e a humanidade, é que a humanidade e o louco se fingem de coerência! Mas eu sou a incoerência como espírito imperativo. Deito-me na vaga música dos sonhos quando durmo, e assim nada resulta como sempre a minha vida.

Reirazinho
Enviado por Reirazinho em 11/04/2024
Código do texto: T8039608
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