UMA MÁSCARA NEGRA

Esta crônica foi escrita no dia dois de fevereiro de 1970, para um programa social que eu apresentava na Rádio Piratininga. A inspiração, claro, veio da música que lhe empresta o título e, discretamente, narrava um fato ocorrido durante os bailes de 1968. Evidentemente, era uma época muito diferente, quando a festa de Momo era um grande acontecimento, abrindo possibilidades para que muita gente pudesse se desinibir, ultrapassando alguns rígidos costumes ainda vigentes, apesar dos ventos liberalizantes que já sopravam. Quem viveu os carnavais de outros tempos sabe muito bem do que estou falando. Inclusive do clima romântico que sempre se estabelecia.

Era noite de sábado e a madrugada avançava lentamente quando o jovem saiu do cordão, cansado e chateado. Dirigindo-se à mesa, relembrou daquela colombina com que brincara o carnaval do ano anterior. Ao longo dos meses recordara aquele sorriso meigo que o enfeitiçou. Sentou-se olhando a multidão que se divertia, quando notou, quase ao lado, a figura inesquecível. Era ela, com a mesma máscara negra emoldurando os olhos azuis brilhantes que pareciam falar!

Vagarosamente, sorrindo, ela caminhou em sua direção. Frente a frente, quase não conseguiram falar. Apenas um alô, balbuciado em meio à cadência constante do bumbo. Mas, em poucos minutos estavam abraçados, aproveitando a música. Dançaram por um bom tempo até que, exaustos e sendentos, saíram da roda em busca de um canto só deles, onde ficaram em silêncio por alguns minutos. Ele continuava extasiado, contemplando aquele rosto apenas imaginado. Nos encontros anteriores, ela nunca havia permitido que o ornamento fosse removido.

A coragem foi crescendo e o jovem segurou o queixo trêmulo da moça. Pouco a pouco foi retirando a máscara negra e quando ela caiu, ele continuou segurando aquele rosto, admirando aqueles olhos azuis. Pareciam nem ouvir a música, pois o momento era só deles. Nada diziam, pois as palavras estavam superadas pela linguagem dos olhares, muito mais profunda. Aquela face levemente corada era exuberante e a cumplicidade do momento convidava ao romance. Aliás, a música parecia até cúmplice daquele instante: “... vou beijar-te agora, não me leve a mal, pois é carnaval...”.

E foi o que ele fez. Levemente colocou seus lábios sobre os dela que, trêmulos, correspondeu ao beijo suave e carinhoso. Ela apenas abaixou o rosto e duas lágrimas cristalinas desceram suavemente. Tentou esboçar um sorriso e balbuciou “- isto nunca poderá ir além. Perdoe-me”. Suas mãos estavam geladas, apesar do calor do salão. O rapaz retirou o lenço do bolso, enxugou as lágrimas, levantou-se e fez o convite: “- Pense apenas no presente. Venha, vamos aproveitar o fim da noite”. A garota sorriu. Levantou-se, enlaçou o companheiro pela cintura, lá se foram os dois.

O carnaval acabou. Outros carnavais vieram. O jovem sempre estava lá, percorrendo o salão. A música era a mesma, mas a colombina nunca mais retornou. Daquela pequena história da juventude restaram apenas as imagens de “uma máscara negra...”