Um momento, por favor...

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O dia me ofusca e talvez por isso eu não consiga muitas vezes ver, nessas horas de plena luz, quem realmente sou. Há ruídos demais à minha volta e nesses momentos de pandemônio, não me vem claramente a minha voz mais íntima, a voz que brilha e me impulsiona a esse refluxo de minha alma...

O dia me agita, me incita ao trabalho, à busca dessas migalhas que me nutrem... A noite me conduz ao silêncio das sombras, à penumbra de todos os sonhos que me passam e me vêm. E é nesse momento de silêncio eloqüente que me reponho e me refaço, sem palavras ou gestos... me recomponho de todos os conflitos com a sóbria certeza de que a vida continua.

O dia me sufoca. Me fecha numa redoma e me limita. A luz é um todo sem forma que me invade e oprime. Paradoxalmente me expande e me agiganta. Mas não consigo conceber o instante criativo nessa irisada agonia. Os pensamentos se fundem com a realidade, com o definitivo enredo dessa história tão minha que escorre pelo tempo.

O dia se apaga e hoje a noite é de chuva. Seus respingos me apascentam e me despem do pudor de ser triste. As cores aos poucos fenecem e suprem minhas vontades de chorar com indulgência. Quero dormir sem sonhar. Quero poder sorrir de manhã. Quero apagar de meus ouvidos o eco das palavras ferinas, dos lampejos de incerteza, dessa ansiosa busca pelo vazio... (Preciso esvaziar-me do medo).

Quero! Quero fugir desta poesia que me invade, desses rasgos lacrimosos de angústia. Quero fazer dormitar minha saudade e essa inconfundível alegria que anseio a cada instante. Quero aplacar a sede insalubre dessa luz. Quero dormir com esses pensamentos (incansáveis e fugidios).

... Quero a lua e as estrelas e com elas ouvir o som do silêncio. Quero, enfim, nesses passos imprecisos, esperar pelos alvores de um dia de paz.