Confissão urgente

Eis o inferno da alma autêntica. Ser, significar e, contudo, não se mostrar. Não há qualquer meio de ser-para-fora, a não ser em algumas bricandeiras ambíguas, como a Arte; nunca no plano sério da vida, aquele que chamamos para nossa honra e que queremos moldar para ser exposto. Quando algo realmente sólido se materializa, noto que é apenas um molde artificial da pequena essência revelada, nunca a própria essência. E, afinal, quem julga nossa arte pensando num ser humano jogado em abismo? Por quanto tempo nossos amigos cessam de fazer o que lhes apetece e refletem sobre nossa luta com a palavras — a decisiva guerra individual com o mundo, atômica em oposição ao universal? Nenhum perde o sono por isso, que terrível! Nem eu mesmo. Claro, a obra voa para além do pincel, emancipa-se. Risquei um sentimento na parede do meu quarto. Após alguns dias envolto no manto criativo, percebi, de súbito, que aquilo não dizia mais respeito a mim. Minha sombra nascera, crescera e agora já era senhora de si. Um outro. O que eu sentia ainda vive, mas apenas no passado. Pois o que realmente dilacera não conseguimos expressar, assim como não podem fazer muito, além de gritar, as mulheres que estão sendo estupradas no momento em que você finge que me lê. Descobri que, involuntariamente, escolho imortalizar o passado, e aqui está meu tempo presente, os quase-segundos irrecuperáveis indo para o buraco negro enquanto penso na palavra certa, jovem que irá murchar. E estas observações eu dou para você, porque já não servirão à minha sabedoria inconstante quando finalmente quicar de volta ao mundo cotidiano a caneta ereta que enterra este ponto final lascivo.

wsdafae
Enviado por wsdafae em 05/02/2008
Reeditado em 07/05/2008
Código do texto: T846564