Persuasão

Então ele contou que reparava nas voltas suaves de seu cabelo e que sentia falta de sua pele branca e da profundeza negra de seus olhos. Ele contou que seu riso bobo era o mais espontâneo e que as suas piadas vazias tinham um fundo de verdade. Para ele, qualquer filme francês era sempre confuso pela lembrança das expressões estranhas que ela fazia. Daí ele disse que tudo que ele queria era toda aquela confusão, o esfregar de lábios, o hesitar de mãos e todos os pedidos que o corpo dela gritava enquanto ele lhe sussurrava baixinho.

Ele ainda se lembra que gostava de cantar ao pé do ouvido para ela, descobrindo o cheiro que se escondia em seus cabelos, enquanto previa o sabor de sua saliva fluida e o degustar de suas entranhas. E ele ainda acha que era ela quem o salvava da apatia extenuante do seu dia a dia.

Ele ainda se lembra do ritmo de suas curvas enquanto ela caminhava e de quão bobo era o seu próprio sorriso a se aproximar. Ele narra em detalhes todas as conversas que eles nunca tiveram, já que as mãos atadas eram suficientemente eloqüentes. Ele recorda da dor que o aperto da saudade lhe provocava no peito e dos recados com mentiras de amor que ele lhe enviava na manhã seguinte.

Ele lembra de ter sua rotina inundada por pensamentos compostos dela, por ela, pra ela. Aquela vontade doída de ouvir sua voz dizendo uma saudade qualquer. Ele lembra do medo de pensar em um fim e do ardor do ciúme de pensar em vê-la com outro.

Então ele contou que ela o amou tanto que já nem se lembra e que o tempo passou rápido demais para que qualquer memória se tornasse real.

Fernanda Gadêlha
Enviado por Fernanda Gadêlha em 23/02/2008
Reeditado em 16/11/2008
Código do texto: T872651
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.