"As crianças aprendem o que vivenciam"

“As crianças aprendem o que vivenciam”

Nesses últimos dias tenho lembrado muito do livro que li há uns dois anos com esse título. Sempre acreditei no valor do exemplo para educar, mas nunca havia pensado com tanta insistência em algo: “As crianças aprendem o que vivenciam”.

Era uma tarde de trabalho para quem assumiu o plantão no Conselho de Educação no atendimento a alunos aprovados em vestibulares, porém necessitando regulamentar sua vida escolar para efetivar matrícula e prosseguir estudos. A sala de chegada do Conselho fervilhava de medo, desejo, ansiedade, esperança, alegria... O cansaço era vencido pelo sorriso do(a) jovem que recebia o documento que possibilitaria a matrícula na Universidade, ainda que em caráter condicional, pois na maioria dos casos as pendências exigiam procedimentos legais mais demorados.

Nesse contexto chega um pai aflito, tem pressa em ser atendido. O caso é de aprovação no vestibular? – Pergunta um dos funcionários.

- Não, preciso saber do Conselho onde devo matricular minha filha de 4 anos e oito meses, no “Jardim I ou II?” (Pré-escola).

Nesse momento fui comunicada sobre a questão que era apresentada, e que o pai solicitava um esclarecimento sobre a matrícula de sua filha.

Ainda que estivesse apreensiva com o tempo disponível para os demais atendimentos, resolvi escutar o pai. Sua aparência era de indignação. Pedi que sentasse e relatasse a situação. O pai estava preocupado, pois sua filha de 04 anos já sabia ler e a escola não admitia matriculá-la no “Jardim II” (Pré-escola), alegando que ainda não tinha cinco anos. E continuou:

- Qual é a Lei que obriga minha filha não ser matriculada no Jardim II? A criança vai ser prejudicada por causa de 04 meses? E quando chegar 2009, não vai poder ser matriculada no 1º ano do Ensino Fundamental somente porque ainda não tem 06 anos? Mas se ela já sabe ler e escrever, isso não é regressão?

O caso gerou um processo e um parecer do Conselho Estadual de Educação esclarecendo quanto ao direito legal da criança à Educação Infantil até completar os 6 anos de idade, mas não é do aspecto legal que quero falar, mas do direito de ser criança.

O que deve ser para um pai garantir o direito de seu filho ou filha ser criança? Ir à escola aos dois anos? Aprender a ler e escrever aos quatro anos? Concluir a pré-escola antes dos seis anos?

Quanto vale uma infância roubada? É possível reviver a sensação de criar com massa de modelar, fazer pintura a dedo, pintar com tinta guache ou giz cera sem pensar em combinação de cores, contar novidades sentado no chão da sala de aula, fazer colagem, picar papel, brincar mais do que fazer tarefa escolar, brincar, brincar e brincar?

“As crianças aprendem o que vivenciam e vivem o que aprenderam” Quem de nós não se recorda das brincadeiras da infância? As vezes não nos lembramos da escola até os sete anos, mas das brincadeiras jamais esquecemos. Foi brincando que aprendemos a fazer amigos, a ser criativo, a ser solidário, a trabalhar em grupo...

Se a criança vivencia essa etapa com respeito e integridade certamente se tornará um adulto que defenderá o direito da criança brincar e não ter pressa de avançar para além da idade mínima orientada pela psicologia infantil para progredir no percurso escolar.

Se a criança vivencia o direito de brincar, cantar, pintar, criar... certamente possibilitará o mesmo aos seus filhos.

A criança é capaz de ler e escrever antes dos seis ou cincos anos idade, mas, quem de nós é capaz de resgatar o que nos foi negado na infância?

Gorete Amorim