[O Voo do Urubu-Rei]

Aquela rua, aquele tempo;

esta rua, este tempo:

ser de possibilidades,

tomei uma variante tentadora,

caí neste tempo de violências,

de olvidamentos rápidos,

de banalização da dor,

de descrença nos braços,

de desapego de ideais,

de queda das estrelas,

de desmanches de sonhos,

de desconstrução do amor.

Tento fugir do meu tempo,

mas resta-me cumprir a existência:

boca fechada pela estranheza,

cérebro aparvalhado pelo espanto,

moedas para o moleque do cruzamento,

nariz tapado para a política,

cabeça gacha, rumo ao poente.

Na vida, o que mais me cansa são os infinitos,

e o que mais me corta não são as carências,

mas a atroz fortuidade do prêmio da sorte;

desde pequeno, aprendi a não desconsiderar

as lições de espera das sequiosas planuras,

o voo do urubu que reina solitário no céu infinito,

a agitação das criaturas, prenúncios das tempestades —-

meus olhos sabem: a vida é um mistério de asas...

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[Penas do Desterro, 28 de março de 2008]