Vesti preto e fui à praia.

Vesti preto e fui à praia. Sem medo que me achassem louco, punk ou cafona. Vesti preto e fui à praia porque estou de luto. Nosso amor morreu, mas quem ainda agoniza sou eu. Peguei aquela caixa marajoara que compramos em Parati e enchi de fotos, cartas, guardanapos e lembrancinhas de viagens. Comprei um pacote de velas, mas só levei três. Uma por mim, uma por ti e uma por nós. Vesti o terno preto para ocasiões especiais, mas sem camisa por baixo. Quis ir de peito aberto.

Acendi as velas, me aproximei do mar, molhei os pés e rezei. Caminhei até o alto da pedra e de lá arremessei a caixa. Se pudesse, meu coração iria com ela. Até que eu pudesse comprar um novinho em folha.

Assisti lentamente a maré de março engolir nossos pertences, torcendo para que ela engolisse também essa dor de uma vez. De lá, eu observava as velas acesas que nem vento ou mar conseguiam apagar. Tenho tanto medo que a chama do amor seja insistente como a chama das velas. Eu mesmo as apaguei em seguida, enterrando-as na areia. De nada valeria esperar pelo tempo, aquilo só dependia de mim.

Segui para a casa com a consciência tranqüila. Havia me despedido gentilmente do sentimento que nos unia. Esse amor tava doente demais e merecia uma morte digna. Parece crueldade, mas não é. É libertação. Antes de cruzar a esquina de casa, eu já havia me perdoado. De luto, e finalmente em paz.

Hudson Pereira
Enviado por Hudson Pereira em 04/04/2008
Código do texto: T930479
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