O extravagante, louco ou excêntrico

Estou nu! Nada vejo! De algum modo sei que as meias estão trocadas. Às vezes, quando ouso vestir alguma camisa, visto-a sempre pelo avesso. Há muito tempo não faço diferença entre um lado esquerdo ou direito. Um eterno zumbido no ouvido esquerdo deixa-me tonto e nauseado. Ando em ziguezague, às escuras, e tateio entre móveis rústicos, sem cores definidas.

Não me vejo porque a escuridão é nigérrima! Mesmo que as luzes

estivessem acesas eu nada enxergaria. Estou quase cego. O olfato, ainda bem, está perfeito. Sinto o cheiro de terra molhada, da breia defumada, do plantio; ouço uma música suave.

As mãos escanifradas, ressequidas, têm a mesma destreza pelo fato de anormalmente eu ser ambidestro desde a infância traquina, peralta e talvez mais irresponsável que doida.

Agora estou confuso. Um perfume familiar invade-me as narinas que se dilatam na tentativa inútil de distinguir a origem, talvez singular, desse aroma simplório. Parece sabonete antigo. Cheiro agreste de madeira desconhecida. Algo sobremaneira forte.

Não creio que ela esteja aqui. Tanto tempo já se passou do desencarne que meu espírito e crença, antes inabalável, perderam a fé, força vital, o sentido da existência. Como explicar o almiscarado cheiro, o sentir sem nada ver, o ouvir do riso alegre, acetinado como uma pétala de rosa mística?

Um sonho! Sim, só pode ser um sonho essa doida e relevante presença

da menina-moça de cabelos encaracolados que me expurga dos males terrenos, dos sonhos obsessivos, do apego à matéria inútil, dos gozos sexuais imaginados, das fantasias contraditórias e surrealistas.

Em algumas interpretações sobre loucura, não quer dizer que a pessoa está doente da mente, mas pode simplesmente ser uma maneira diferente de ser julgado pela sociedade. Na visão da lei dos homens, a insanidade revoga obrigações legais e até atos graves cometidos com diagnóstico prévio de psicólogos, julgados então como insanidade mental. Ser louco é ser inocente e por isso mesmo inimputável.

Não vejo as reais diferenças entre os que se dizem sãos e minha pobre e esquálida figura. Assim, amorfo, aos olhos dos outros que me tornam louco, sou alguém a quem não se dá crédito, a quem não se compreende, com quem não se consegue compartilhar opiniões e crenças.

Se me dessem ouvidos e se compreendessem, de forma correta, o que falo e escrevo, certamente não me viam doido, mas sim meio bicho, meio gente, só um pouco excêntrico.

Existe uma lógica intrínseca da loucura. Evidentemente não existem apenas casos graves de loucura, todos nós somos um pouco loucos. Eu nunca quis ser exceção.

Loucura normal são as nossas cismas, as nossas manias, as nossas paranóias e medos. Se elas atrapalham a nossa vida de maneira importante, prejudicando o nosso rendimento profissional e a nossa capacidade de se relacionar, merecemos o rótulo de louco e devemos nos tratar.

Eu não sou louco! Não gosto de estar vestido e tampoco calçado. Converso com meus cachorros e plantas, mas não sou demente. Preciso apenas ser compreendido, de muita paz e tolerância.

Quando as manias não atrapalham nossa vida de forma efetiva e afetiva, classificamo-nos como neuróticos ou apenas de esquisitos e tocamos a vida. Pronto! Achei um jeito simples de explicar meu modo diferente de ser. Viu? Consigo explicar o inverossímil.

Sou apenas esquisito, difícil de entender ou explicar. Caso queiram poderão até dizer que sou singular, original; extravagante; excêntrico. Uma coisa é certa: nunca terei medo de tentar evoluir, estudar, superar meus limites, mascarar minha falsa loucura, quebrar os fortes grilhões que ainda me prendem às formalidades sociais, aos hipócritas que se acham racionais.