Vale a pena viver

Estou na terceira idade. Não queria, mas chegou. Isto não dependeu de mim. Reconheço que há algumas vantagens em ter chegado tão longe, apesar dos pesares. Falo com mais convicção sobre histórias de cujos resultados me são familiares. Não sou a dona da verdade e o fim pode não ser aquele previsto pela minha experiência de vida. Sou desprendida das coisas materiais, embora não extrapole. Defendo a tese em meu nome, só em meu nome sobre a velhice: A velhice faz a pessoa feia. Não há plástica no mundo que resolva. Retarda a aparência da idade, pouco, pois nota-se nos movimentos inseguros,a conseqüência do tempo, que a pessoa já passou dos cinqüenta anos. Olhando-me no espelho da sala da academia, numa aula de dança, fiquei perplexa com aquela figura grotesca, balançando-se forçadamente no ritmo da música procurando sentir o prazer que vinha fácil há algumas décadas atrás. Na minha memória havia aquela garota que chamava a atenção numa pista de danças. Mas o bendito espelho tirou-me a fantasia daquela lembrança. Os olhos não têm brilho, os lábios se afinam e o nariz cresce e os cabelos, só eles teimam em ficar louros .

Há motivo suficiente para a depressão. Ninguém sabe quando partiremos desta para melhor, mas deduzo que eu já paguei pedágio suficiente e que sem mesmo querer, devo preparar-me para prestar contas. Não há como sonhar, projetar algum feito. O agora é o que existe. Aquela sensação que eu posso tudo e que o mundo é meu, acabou-se como por encanto, de repente e zás, foi-se.

Há organizações que tem como objetivo proporcionar melhor qualidade de vida aos idosos, inventam e reinventam passeios, danças e companhia num esforço enorme para trazer-lhes momentos de prazer. Isto repercute em mim de maneira negativa, baixa ainda mais minha auto estima. Constato a incompetência, a fragilidade advindas da idade, pois se estivéssemos no vigor da juventude, não precisaria tanto empenho para trazer-nos momentos felizes. Tudo seria espontâneo Quero encontrar beleza nas marcas que o tempo deixou. Mas elas não existem. As mãos retratam as inúmeras tarefas executadas. A pele ressequida, manchada, os dedos outrora roliços, agora contorcidos. Não estou pintando um quadro lúgubre da terceira idade. É a vida. Precisamos aceitá-la com simplicidade. Gosto de relembrar nossas experiências de ciências, na escola, quando a professora nos pedia que trouxessemos uma semente de feijão e a colocássemos no algodão úmido. Aos poucos ia surgindo uma folhinha depois outra e aquela hastezinha erguia-se para o céu. Ao seu lado dois cotilédones se mantinham firmes. Depois, com o passar dos dias aqueles cotilédones iam murchando até esmorecer definitivamente. A professora explicou-nos que a massa e nutrientes que formavam aquela folha grossa, foi transferida para a nova planta que surge. É assim o ciclo da vida. Vamos dando lugar às novas gerações. Agradeço a Deus, por ter conseguido chegar até aqui, servindo de suporte para que outros cresçam e progridam.

Todos nós poderemos alcançar todas as classificações da idade. O que realmente importa foi o que conseguimos, de fato, realizar. O amor que tive e tenho por meus amigos, minha família, meu marido e meus filhos. Anos e anos de estudos e aperfeiçoamentos . Será que foram úteis verdadeiramente para alguém? Nós não nascemos por acaso. Resta saber se o que construímos durante nossa existência, valeu a pena.Isto sim é razão suficiente para viver e sentir que não foi em vão a passagem sobre a terra. Tenho o que qualquer pessoa gostaria de ter amor e aconchego. Não voltarei mais àquela vida em que cada dia o céu era de um azul profundo, promessa de um dia de muitas boas surpresas e encontros. Agora ainda há estrelas brilhando no manto negro do firmamento.Estou viva e lúcida.Vivo cada minuto esperando usufruí-lo da melhor maneira possível. Quero ser útil, trabalhar ainda e sentir o amor das pessoas com as quais convivo. E principalmente reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.

estefania
Enviado por estefania em 08/06/2009
Reeditado em 26/10/2009
Código do texto: T1638507