Anoitecendo

Está sempre anoitecendo.

A madrugada está sempre a cair sobre meus ombros como uma cortina pesada e teatral, o breu me esconde, suas mãos impiedosas prensam meu pescoço e eu sufoco. Se sangro, ninguém pode ver, pois está escuro demais. Nem lua aqui. Não há qualquer rastro de luz na minha noite - o pior: também não há trevas alguma, porque aqui tudo que se encontra é o não haver. Na minha noite, não se existe, não se faz, não se vive. É toda feita de massas imóveis e tédio.

Os olhos não fixam, a respiração não acelera, os dedos não seguram com força. Os cabelos não acompanham o vento, a música não corre pelo corpo, mesmo os aromas mais doces não penetram a alma. O grito não sai. Carência de sensações e só apatia, na minha noite. Carência de sensações e só apatia, sempre, sempre. E a dor - nem mais a sinto. Eu a incorporei de tal modo que eu não consigo nem bem reconhecer onde eu termino e onde ela começa - a dor sou eu.

E se passo pelas pessoas como se não me importasse, é porque sei que não pertenço junto delas. Sei que, mesmo que meus dedos tocassem seus rostos, a distância entre nós permaneceria. E se me contassem de seus planos e medos, não daria atenção e de pouca ajuda eu poderia ser. Tudo pra mim é assim: enfadonho.

Não existem estrelas na minha noite e ninguém pode imaginar como é isso.

E parece que só fica mais e mais escuro.

14/janeiro/2005

Julia Cardoso
Enviado por Julia Cardoso em 29/06/2006
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