Viagens e curiosidades

Das viagens que fizemos pelo Nordeste do Brasil as lembranças são uma fonte de inspiração e orgulho por ter nascido em um país de tal dimensão e com histórias extraordinárias documentadas, às vezes, na íntegra através de objetos, móveis, museus e Igrejas. Há construções desgastadas outras em melhor estado de conservação. Impressionou-me uma casa que fica na cidade de Areia, no estado da Paraíba. É uma construção, com 10 janelas em um dos lados, com portas enormes, umbrais de aproximadamente 50 cm de largura,datada do século XVI . Os cômodos são amplos com exceção de um que é pequeno, com uma única saída. É o caritó, refugio das moças que não se casaram.

” Da Bahia para o Sul, pouca gente saberá o que é vitalina e o que é caritó. Caritó é a pequena prateleira no alto da parede, ou nicho nas casas de taipa, onde as mulheres escondem fora do alcance das crianças, o carretel de linha, o pente, o pedaço de fumo, o cachimbo. Vitalina, conforme a popularizou a cantiga, é a solteirona, a moça-velha que se enfeita - "bota pó e tira pó" - mas não encontra marido. E assim, a vitalina que ficou no caritó é como quem diz que ficou na prateleira, sem uso, esquecida, guardada intacta.” Rachel de Queiroz- 1959 – O Cruzeiro

Na ampla sala de madeira tosca havia um enorme banco também de madeira construído artesanalmente onde se via um encosto e abaixo do assento, madeira trabalhada que acobertava um espaço amplo onde os anfitriões guardavam a riqueza da família, as suas economias. Era onde as pessoas da casa se sentavam ao receberem convidados. Daí o nome de banco utilizado até hoje às empresas cuja função é administrar as economias do povo. Após visitarmos a cidade de Areia fomos à Cabedelo. Seu nome provém de dunas de areia finíssimas que se formavam na praia. A história de Cabedelo se mistura com a história do Brasil: o forte de Santa Catarina, a invasão dos holandeses e dos franceses ocorrida no século XVI. Este Forte conhecido como Fortaleza de Santa Catarina localiza-se sobre uma elevação arenosa “pequeno cabo” à margem direita do Rio Paraíba do Norte, atual município de Cabedelo, no litoral do Estado. Visitamos um restaurante cuja construção adentra ao vasto Rio Paraíba do Norte dando ao visitante a sensação maravilhosa de observar de lá a despedida do sol, projetado na água naquelas tardes quentes do Nordeste tingindo de alaranjado, vermelho e amarelo o horizonte. Comida boa, farta, frutos do mar, servidos a contento.

Foi do interior do Estado da Paraíba que ouvi falar pela primeira vez, sobre o sentido da palavra sem eira nem beira. "Sem eira, nem beira" era a qualificação que, na época do Império, era dada às famílias que tinham menor poder aquisitivo. Beira era o nome que se dava ao que hoje é comumente conhecido como aba ou beiral do telhado, um pequeno prolongamento da cobertura da casa que nos tempos coloniais caracterizava as construções de famílias portuguesas abastadas para enfeitá-las e protegê-las da chuva. Todas as casas eram construídas com eiras. Duas eiras ou mais já gozavam de poder e eram mais ricas, uma eira menos ricas, e sem eira era pobre mesmo.Ainda podem ser encontradas dessas beiras artisticamente trabalhadas, repletos de desenhos feitos caprichosamente por entalhadores desconhecidos e expostas à apreciação dos que se mostrem dispostos a conferir com curiosidade e paciência como era o Brasil de antigamente. Não muito preservados, mas ainda dignos de admiração, o interior do estado da Paraíba, traz-me uma lembrança boa da época em que levava meus filhos a estas viagens uma verdadeira aula de história “in loco”. As construções enormes com pedras e barro e vem junto o conhecimento de que não havia as facilidades de agora para erguê-las e mesmo sem preservação elas estão aí até hoje vencendo as intempéries e os vândalos. É muito gratificante poder visitar estas regiões, não me detive em muitas, mas usufruir de sua existência é de valor inestimável.

estefania
Enviado por estefania em 07/10/2009
Reeditado em 13/10/2009
Código do texto: T1852912