*** Pai ***

Pai

O corpo é simples veste que o espírito despe, quando encontra a luz...

Esse foi o consolo que ouví, quando teu caixão descia para as profundezas da terra.

Estou sentindo tanto a tua falta!

Mas sei que estás melhor agora...

Não sofres mais, cumpriste teu destino.

Fizeste teu caminho com dignidade e honra.

Amor à família, compaixão, caridade.

Tu me ensinastes o amor à natureza.

Tinha orgulho de dizer que cozinhavas tão bem...

Que ironia do destino!

Quando eu era jovem, não nos dávamos muito bem.

Resquícios da educação autoritária que tu recebestes do vovô José e da vovó Maria.

Sangue italiano à borbulhar nas brigas e alegrias...

Rompantes de emoção...

Depois que o Alzheimer roubou a lucidez de mamãe,

passamos a buscar um ao outro.

E conversávamos todos os dias ao telefone...

Descobri que te amava demais

e que a recíproca era verdadeira...

Hoje, tenho um buraco no peito, que sei que o tempo cobrirá com argamassa.

Mas o que mais machuca, é saber que a nossa família se extinguiu contigo.

Mamãe não sabe mais de nada...

Não posso dividir meu sofrimento com ela, lembrando de tí.

Não posso pedir conselhos.

Não posso pedir opinião. sobre nada...

Nem mesmo comuniquei a sua partida. Para quê? Ela sofreria e logo esqueceria...

Ela apenas vive, flutuando sobre os dias, como se fosse névoa à se dissipar.

E assim a saudade aumenta...

Mas debaixo da neblina que alcançou sua mente,

sei que vive ainda a guerreira.

Audaciosa mulher que se formou em Estatística, numa época em que as mulheres

normalmente só cuidavam da família e do lar.

Mulher que aprendeu a dirigir e tirou a carteira de habilitação aos 54 anos,

e que era dona de um humor maravilhoso...

Guardarei sempre na memória tudo o que aprendí com vocês.

Amo e amarei você para sempre, pai.

Deixo aqui minha poesia para você...

Saudade Insana

Tu sabes o que é saudade?

Saudade não se define.

Saudade traz no peito um ardor, um sofrimento,

que quando a gente respira parece queimar por dentro...

Mesmo assim a carregamos, alimentamos, dividimos,

quando alguém chega perto e percebe a nossa dor...

Que loucura essa mania de cultivarmos um sentimento

que vai assim, de mansinho à corroer-nos por dentro!

Melhor seria guardar dela só a boa parte,

jogá-la numa gaveta, no fundo do armário do peito,

grande arte...

Procurar resgatá-la só em momentos mágicos, insanos...

Como quando o sol se põe no horizonte, magnânimo...

E deixar fluir liberto o sentimento,

essa cascata à nos lavar por dentro...

Para isso serve a razão, essa dona ensimesmada...

Para podermos controlar e resguardar

a emoção...

Fiz esse texto para meu pai quando ele faleceu, em setembro do ano passado. Como esse é meu primeiro dia dos pais sem a presença dele, resolví postar de novo no recanto.Uma singela maneira de relembrar...

Claudia Ferrante
Enviado por Claudia Ferrante em 06/08/2010
Reeditado em 16/02/2012
Código do texto: T2423055
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