Guardador de Memórias
Eu não sabia se aguentaria mais. Esse não saber, esse nó atado pelo incerto, me mantinha correndo; a mala pendia de um lado a outro em minha mão.
À esquina, o taxi se detivera e eu, ofegante, queria alcança-lo antes que ele partisse levando embora minha chance de recomeçar, minha chance de desembaraçar-me dos erros, das feridas abertas que ardiam. E eu corria.
Meu braço era um pêndulo que sacudia o guardador de memórias, ou devo dizer bagagem?
Minha mente era um projetor de lembranças e ela exibia o espetáculo que eu não queria ver, o espetáculo a seguir:
(Desculpe leitor, a narração de fatos competentes a mim mesma em terceira pessoa, pode soar-te egocêntrico ou qualquer coisa ruim... Não sei. Mas é apenas um recurso.)
Talvez tenha sido um erro torná-lo a única coisa que ela tinha na vida, um erro porque, se ele se fosse, iria tudo.
Cada peça de roupa posta na mala era uma lembrança; um trecho da vida a ser contado, como aquele vestido azul usado no primeiro almoço com seu rapaz ou o par de sandálias – uma mais escura- devido a uma queda numa poça durante uma chuva.
Três lances de escada descidos, quase à porta da rua, um esbarrão como motivo da fuga: o rapaz que fora seu.
Momentos mínimos de (re)compostura e a moça larga uma corrida sabendo que seria seguida. Empenha-se em ser veloz...
E eu, engolida, protegida dentro do táxi que finalmente lograra alcançar, assistia da janela a corrida dele ir cessando aos poucos, e então ser deixado para trás.