O Sobrevivente

Um dia de sol, lá estava eu novamente, mais uma vez na velha banca de jornal da Sra. Fátima Zoraide (era como ela gostava de ser chamada), lendo as notícias do dia, quando três rapazes muito estranhos, chegaram à banca de jornal e começaram a conversar com ela, Sra. Zoraide, a velha, a dona da banca.

Experiente e também um pouco velho, não tão velho como a Sra. Zoraide, aprendi com a minha profissão a suspeitar de todo “mundo”, isso me fez perder muitas amizades, meus amigos me chamavam de maluco, diziam que eu era fanático demais pela profissão de investigador, e o pior que eu era mesmo, hoje reconheço isso.

Mas voltando ao assunto, não tive uma boa impressão daqueles rapazes, nunca havia visto algum deles antes, e de repente eles me aparecem com uma intimidade com a velha que fiquei de boquiaberto, fiquei intrigado com isso, mas preferi não me envolver.

Eu era um pouco conhecido na cidade, como já deu pra perceber eu era um investigador policial, meu nome é Dorisgleison Silva, digo “era”, porque depois de um assassinato não resolvido, ao qual investigador nenhum conseguiu desvendar o caso, a polícia acabou por acreditar que o homicídio havia sido cometido por um profissional, e sobrou para mim, o primeiro a pegar o caso.

Acredito que foi esse o motivo de não me aproximar daqueles rapazes, depois que me tornei um ex-investigador, passei a ser mais cauteloso, prefiro observar os fatos de longe.

Continuei o meu percurso, afinal era um dia de sol, ficar parado numa banca de jornal não era o melhor programa.

Após me distanciar pouca coisa da banca de jornal, avistei um garoto que vinha em minha direção, provavelmente iria a mesma banca ao qual agora eu me afastava; não me importei com isso, afinal de contas, é tão normal um garoto ir a uma banca de jornal.

Mas como disse a vocês, eu era fanático pela minha ex-profissão, e com a experiência adquirida com os anos que trabalhei na profissão, aprendi muito a escutar o coração, isso quer dizer; intuição nunca foi bobagem para mim, todos nós temos isso, e ela nunca me deixou na mão.

Continuei caminhando, sem olhar para trás, mas a minha intuição me dizia que algo estava acontecendo, que hoje não seria um dia comum.

Depois de mais ou menos, umas duas horas e meia que havia passado pela banca de jornal, lá estava eu numa lanchonete de um conhecido meu, costumava passar por lá, entre o horário de almoço e o início da tarde.

Pedi um lanche para a garçonete, e enquanto o lanche era preparado, fiquei assistindo ao noticiário, foi quando algo me surpreendeu, todos assustados olhavam para a TV sem acreditar no que o repórter relatava; ele dizia que o filho de um empresário rico da cidade, fora seqüestrado, o que deixou todos assustados é que o tal empresário rico era da nossa cidade.

Poucos minutos depois, o meu celular tocou, levei um susto quando atendi a ligação, era o tal empresário, fiquei atordoado, sem entender o porquê de ele me procurar num momento tão critico ao qual estava passando. Tentei fingir que não sabia de nada.

Ele me disse desesperado:

- Dorisgleison Silva, que bom falar com você, eu estou perdido, não sei o que fazer, seqüestraram o meu filho, e me indicaram você para me dar um auxilio, apesar de você ser um ex-investigador, achei que poderia me ajudar. Os seqüestradores ficaram irritados com a notificação do caso na imprensa, pois eles haviam pedido para ficar só entre nós as negociações, e eu não cumpri a promessa, agora eles dobraram a quantia, e disse que se a polícia se envolver no caso eles matarão meu filho.

Depois do desabafo daquele pai, não fui capaz de dizer: “não”, resolvi tentar ajudar aquele “pobre” empresário. Imediatamente tomei nota de seu endereço, e fui até lá rapidamente.

Há caminho, passei novamente em frente à banca de jornal, e para minha surpresa; estava fechada.

Achei isso muito estranho, pois a Sra. Zoraide jamais havia fechado a banca naquele horário, nem mesmo aos domingos.

Dali até a casa do empresário, fui remoendo tudo o que acontecera naquele dia até o momento, engraçado e cômico nisso tudo é que eu era investigador e não negociador, por que então fui lembrado para ajudar um empresário rico que poderia contratar o melhor negociador da cidade? Talvez seja destino, predestinação ou tão somente acaso; não sei. Depois que fui afastado daquilo que mais amava deixei de acreditar nessas bobagens.

Ao chegar à casa do empresário, logo notei o desespero em seu olhar.

Assim que eu cheguei, ele veio até o meu encontro, me cumprimentou educadamente, mas não perdeu tempo para cerimônias, e logo me mostrou o bilhete que os seqüestradores deixaram em sua casa. No bilhete estava escrito: “seu filho está em nosso poder, se quiser o menino de volta, siga as instruções: ponha 500 mil de dólares numa mala preta e deixe atrás da banca de jornal da estação de trem às 10h50min. Pegue o trem das 11h. Se ficar alguém vigiando a mala o menino morre!”

É; realmente eles estão determinados, não estão dispostos a negociar.

Perguntei ao empresário se ele tinha a quantia pedida pelos seqüestradores, ele pensou um pouco, mas confessou que tinha.

Tentei acalmar o empresário, pois ele estava muito nervoso, perguntei o nome do garoto, ele respondeu logo, com lágrimas nos olhos:

- P. C. Júnior, ele tem 12 anos.

Quando eu ia prolongar a conversa, o celular do empresário tocou, eram eles, os seqüestradores.

O empresário não conseguia falar, fui obrigado a tomar o lugar dele, sem que os seqüestradores percebessem, não foi difícil, pois nem foi preciso falar, eles só ligaram para reforçar o que já haviam dito antes, que não queria saber de negociações, que não queria policia no caso, e que era melhor seguir as ordens deles.

Realmente, estava mais difícil do que eu pensava, eles não queriam negociar, não queriam polícia no caso, será que um ex-investigador poderia ser a solução para esse caso?

Restavam menos de 24h para a entrega do dinheiro.

O empresário disse que eu poderia ir embora, pois já era tarde, educadamente me agradeceu pela ajuda, não sei que ajuda foi essa, talvez o simples fato de está ao lado dele naquele momento, foi a melhor ajuda que ele poderia receber.

Mas eu era fanático, depois que fui afastado do ramo que mais gostava, por causa de um caso não resolvido, mal acabado, não queria sentir aquela sensação de fracasso novamente.

Antes de ir, perguntei se o empresário poderia me responder algumas questões a respeito do garoto, e ele concordou logo, pois tinha esperança de alguma novidade.

Perguntei ao empresário onde o garoto P. C. Júnior teria ido antes do seqüestro, quando o empresário me respondeu que ele fora a banca de jornal, fiquei pasmo, por um momento fiquei em silêncio. Passou um filme em minha mente: os três rapazes estranhos, o garoto indo em direção a banca, a banca fechada após o seqüestro, e para o meu espanto, os seqüestradores queriam a mala do dinheiro atrás da banca de jornal.

Não conseguia entender, perguntava para eu mesmo se a Sra. Zoraide era cúmplice deste seqüestro, não queria acreditar, pois ela era uma velhinha tão caridosa, não, não pode ser.

Quando disse ao empresário o que acontecera naquela manhã e o que se passava em minha mente, aconteceu o que eu temia, ele franziu a testa, e com uma voz rústica disse para mim:

- Até parece, aquela pobre mulher mandar seqüestrar o meu filho, você só pode estar louco, não sei onde eu estava com a cabeça quando te chamei para me ajudar, é melhor você ir embora, vou chamar quem realmente entende do assunto.

Saí dali muito triste, e preocupado ao mesmo tempo, pois o empresário esqueceu o que os seqüestradores lhe ordenaram, eu tinha certeza de que ele iria chamar a polícia para tentar resolver o caso, e eu sabia que aqueles seqüestradores não estavam brincando, envolver a polícia poderia colocar o garoto em risco de morte.

Cheguei á casa por volta das 11h da noite, tentei dormir um pouco, mas não consegui, era só fechar os olhos que eu via aquele garoto tão jovem e com a vida em risco. Apenas 12 anos, era só o que eu pensava. Ele tem uma vida pela frente, durante toda a noite era só o que vinha a minha mente.

Levantei bem cedo, já que não conseguia dormir, resolvi dar uma volta, como de costume.

Depois de uma hora de caminhada, voltei para casa, e comecei a refletir sobre tudo o que já tinha feito enquanto era da policia, eu tinha dedicado uma vida para corporação e quando eu mais precisei dela, ela me abandonou, e eu fui afastado; simplesmente por que não consegui resolver um caso.

A história parece sempre se repetir, no entanto, desta vez, o protagonista da história é um pobre garoto, e eu não mais estou sendo condenado por não resolver um caso, mas condenado simplesmente pelo meu passado, os amadores não sabem que um investigador suspeita até dos cachorros que nada tem a dizer, simplesmente porque o seu instinto é suspeitar; qual seria a sentença dos “culpados” se alguém não tivesse ousado suspeitar da sua inocência? Agora estou eu inerte em ajudar só porque suspeitei de uma velha.

O que me deixa preocupado é que eu sei que a policia já fora incluída no caso, quando se negocia uma vida a ultima coisa a se fazer é desrespeitar ordens de bandidos. E por causa do maldito dinheiro, aquele pai prefere envolver a policia a entregar a porcaria do dinheiro e depois que estiver com o filho a salvo, tentar recuperar o “merda” da grana.

Não, eu já estava envolvido demais, eu tinha que fazer algo, não pelo empresário, mas pelo pobre garoto que estava sendo trocado por dinheiro.

Resolvi então me dirigir ao local combinado para a entrega do dinheiro.

Faltavam uns trinta minutos para o horário determinado pelos bandidos. E quanto cheguei próximo a estação de trem, fiquei escondido, somente a observar.

Foi quando notei a presença de dois policiais, eu sabia que tinha mais policiais escondidos no local, mas a presença daqueles dois me incomodava demais, pela minha experiência, eles não estavam a serviço do empresário, pois era notório que não, pois eles nem sabiam o que estava prestes a acontecer. Eu temia que o pior fosse acontecer. Fiquei em estado de alerta.

E exatamente as 10h50mim a mala preta foi deixada atrás da banca de jornal, e como ordenara os seqüestradores, o empresário embarcou no trem das 11h.

Foi quando eu tive a certeza de que os três rapazes que eu vira com a Sra. Zoraide era de fato os seqüestradores, eles não eram bobos, enquanto um caminha com o garoto em direção a mala, os outros dois ficaram de longe, na estação de trem, onde o fluxo de pessoas é constante, fato que demonstra que eles estavam precavidos no caso de haver policiais.

Decidi então me aproximar um pouco mais, foi quando algo deu errado, o seqüestrador que caminhava com o garoto, percebeu a presença dos dois policias que nem faziam parte da ação, assustados, os outros dois perceberam que o companheiro fizera um movimento que demonstrava algo errado, então uns dele atirou para o alto, a fim de causar um alvoroço entre as pessoas que passavam por ali, não tive tempo de pensar em nada, corri desesperado na direção do garoto, me atirei com muita precisão em cima dele, depois disso só lembro-me de ouvir alguns tiros...

Depois disso, acordei no hospital, o seqüestrador conseguiu me acertar na perna, e no meu antebraço, depois fiquei sabendo que os policiais conseguiram pegar os três rapazes, que ironicamente não fazem idéia de quem pegou a mala preta que o empresário deixou atrás da banca de jornal.

O P. C. Júnior, graças a Deus ficou ileso, só ficou um pouco dolorido, é normal, eu me atirei com muita força pra cima dele. O empresário rico, não sabia como me agradecer e como me pedir desculpas ao mesmo tempo, afinal de contas, a Sra. Fátima Zoraide desapareceu, não há dúvidas de que fora ela que pegou a mala, pois já faz dois anos que a banca de jornal continua intacta, ninguém faz idéia de onde pode está à velha que faturou meio milhão de dólares.

Não sei dizer se naquela mala preta tinha exatamente 500 mil dólares, nunca tive coragem de perguntar ao tal empresário.

Com a minha profissão aprendi uma coisa; nem sempre os inocentes serão recompensados e nem sempre os culpados serão punidos. Nunca provei a minha inocência, mas depois de salvar um garoto fui chamado de herói.

Mas eu não sou herói, sou apenas um ex-investigador com um morto em meu passado e nenhuma perspectiva de futuro, mesmo depois de levar dois tiros naquela ação o importante é que eu estou vivo para contar a história. Acredito que a Sra. Fátima Zoraide nunca pagará pelo que fez, aliás, isso não importa para mim, o importante para mim é saber que o P. C. Júnior está estudando e é um garoto saudável, isso é o que me deixa feliz: meu nome é Dorisgleison Silva, não sou herói, sou sobrevivente.

Luciano Cavalcante
Enviado por Luciano Cavalcante em 08/11/2011
Código do texto: T3325235
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