A Senteça

A Sentença

O primeiro choro, o primeiro contato com o ar, com a luz, com as pessoas... Nasci! É assim que começa a história de todos nós, o início de todos é praticamente igual, porém o desenrolar de cada história tem singularidades tamanhas. Ninguém se lembra do primeiro passo, da primeira palavra, das primeiras quedas, porque neste momento inicial somos muito novos ainda, mas os anos passam de maneira tão acelerada, que dos primeiros passinhos, saltamos para o aprendizado de andar em uma bicicleta, aprender a escrever o nome, a ler as primeiras palavras. Ah, este momento eu me recordo. Começamos a ter contato com a coletividade, fazemos as primeiras amizades, e alguns amigos que fazemos neste período de nossas vidas são para sempre.

Vamos crescendo, e começamos a imitar os adultos em algumas coisas, como inventar um namoro, brincar de casinha dentre outras coisas, e é neste momento que o rio segue um curso diferente, a sentença que havia sido "prolatada" no nascimento, tem o seu momento "cumpra-se" agora. Meninos mandam cartinhas para meninas, meninas recebem presentes de meninos, mas quem disse que todos somos iguais ou que todos temos as mesmas vontades? Foi neste momento que eu vi que não era uma criança com as outras, na verdade queria receber cartinhas e presentes de outros meninos.

Quando somos crianças, vemos os adultos falando em determinadas circunstâncias que, sentir isso é pecado ou que é falta de caráter, ou até mesmo imoral, mas criança nem sabe o que significa cada palavra e não entende a dimensão dessa axiologia. E assim continuamos com este sentimento considerado por muitos como profano.

A puberdade vem com força e não perdoa! Neste período da vida tudo é confuso, pois há mudanças físicas e mentais, e aquilo, aquele "monstro" que você sentia quando era criança, cresce e se torna cada vez mais forte, nesta hora você começa a luta contra o mundo, mas também luta contra você, esta sempre mais difícil que aquela.

Amigos se reúnem, histórias como primeiro beijo, primeiro namoro, primeiro sexo, surgem na roda, e você a cada dia se sente mais diferente. Começa aí o grande conflito, o psicológico fica 24 horas lutando , é você contra você em uma batalha sem fim. As guerras são desgastantes, e com você não é diferente, uma hora você acaba cedendo aos desejos, alguns neste momento sentem culpa, medo, outros um alívio, uma sensação indescritível, e outros não sentem nada, ficam em choque. É normal, cada um tem uma maneira de reagir a cada situação da vida. Há um leque de decisões, uns decidem continuar neste sentimento, mas escondido, envolto de muita discrição e hipocrisia, outros decidem dizer sim ao sentimento, são decididos e sabem o que querem, outros tentam remar contra a correnteza, às vezes passam a vida inteira assim, e eu me pergunto, será que estes foram felizes?

Algumas pessoas buscam ter uma vida digna, ter aquela velha e boa formula dos filmes, que é viver um grande amor, ter um bom emprego e uma família linda, acho que era isso que a Constituição Federal queria garantir com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois quando alcançamos tudo isso, e é claro outras coisas necessárias para a vida, como saúde, educação dentre outros, temos uma vida digna. Há os que só querem saber de "curtir", a máxima deles é que "figurinha repetida não completa o álbum", mas eu me pergunto o que adianta ter um álbum completo e o coração vazio?

O tempo passa mais um pouco, adquirimos experiência com a vida, ainda somos jovens, mas já temos um pouco de experiência, buscamos aquilo que acreditamos ser o melhor para nossas vidas. A luta contra o "eu" ainda continua. Já dizia Thomas Hobbes que "o homem é o lobo do homem", temos instintos, mas temos que saber controlá-los.

Pagamos o preço por nossas escolhas, infelizmente na vida não temos tudo que queremos, na verdade optamos por aquilo que acreditamos ser mais digno para nós, e acabamos abrindo mão de outras menos importantes. Como diz minha amiga Saiury " fazer escolhas é também renunciar a tudo aquilo que não pode ser escolhido, todas as vezes que seguimos um caminho deixamos outros tantos para trás cheio de possibilidades, mas se pudéssemos voltar, apagar, fazer tudo diferente, onde estaria o valor das coisas escolhidas/conquistadas?"

Como queremos viver é um ato de escolha, nossos instintos e desejos são predeterminados na sentença da vida. Fazemos planos, mas a todo momento cometemos atos acráticos, somos movidos pela paixão, e é por isso e por outros fatores que repito que nosso futuro, devido as ações humanas estão no campo do contingente.

A sociedade quer que eu seja "A" , mas eu quero ser "B", a sociedade me julga e me cobra, eu apenas me cobro, e tenho que ir pesando e medindo para ter uma vida dosada.

Tudo seria tão simples se todos entendessem que em relação à sexualidade, ninguém escolhe ser o que é, pois não escolhemos nascer homem ou mulher, e muito menos escolhemos ser heterossexual, homossexual ou bissexual, isso é um determinismo, e a sentença é dada no momento do nascimento.

Dizem que este tipo de amor é pecado, e eu me pergunto, e o preconceito não é? E falando em pecado, me recordo de um texto bíblico que fala de amor, em 1 Coríntios, capítulo 13, diz "in verbis" que "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta."

Logo, posso concluir que o amor é o equilíbrio de tudo, o fator mais importante. Então, como podem falar que é pecado amar? Como podem falar que um sentimento tão puro é algo profano? Profano é bater, tratar mal, desprezar.

Hoje é sábado, confesso que estou com vontade de beijar, ser abraçado, sentir pele na pele, trocar olhares, alguém pegar minha mão e beijar. Hoje está tendo balada, poderia estar lá e fazer tudo o que eu queria fazer, mas isso saciaria apenas o físico, e o que eu quero é algo muito maior que isso, eu quero amar.

Hoje sei como foi meu passado, não tenho conflitos com o presente, mas incertezas enlaçam minha mente, me envolve o medo do que me espera amanhã. Ainda não sei onde quero morar, em que área quero trabalhar, não sei se quero ter filhos, mas uma coisa eu sei, tenho certeza que quero alguém que realmente me ame e que eu possa amar. Quero viver!

Luto por respeito, igualdade, dignidade, meu télos é a eudaimonia (minha finalidade é a alegria). Busco muito mais que leis para tornar a homofobia um crime, busco conscientização, e que todos possam ver que isso não é anormal, nascemos assim, isso nada mais é que uma coisa biológica, natural.

Sociedade sem preconceito não traz benefício apenas para determinado grupo social, mas traz harmonia ao coletivo. Não permita que a homofobia torne-se uma patologia social, devemos promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, pois só assim alcançaremos um dos objetivos fundamentais da República que é construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Leonardo Guimarães Rosa
Enviado por Leonardo Guimarães Rosa em 22/05/2012
Reeditado em 07/08/2012
Código do texto: T3681997
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