PEDAÇO DA HISTÓRIA BRASILEIRA

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      Não se riam do que lhes vou confidenciar, assim muito em alto e bom som, e para Deus e o mundo saber, publicamente. Hoje me emociono menos, mas era comum eu chorar, quando, de Aldir Blanc e João Bosco, ouvia “O bêbado e a equilibrista”.

      Não sei por qual dispositivo mental – silencioso e oculto – eu associava a música com a triste “Luzes da Ribalta”, do genial Carlitus; misturava tudo isso com o ausente e confrade da Ação Popular, o Betinho, “irmão do Henfil”, que fora banido político, exilado no México por obra e força da ditadura brasileira.

      Aí, camaradas meus, a coisa meio pueril do meu chororô era inevitável, sempre que ouvia aquela música sub-repticiamente de protesto. Passava-me um filminho na cabeça, entrevia as prisões ilegais, estivesse tomando uns pileques, ou não; e vinha aquela alquimia indescritível, e este um chorava, às vezes copiosamente.

      Confessada essa minha fraqueza, meramente perdoável mercê da mesma franqueza que sempre me dá à telha, mesmo quando o sótão está cheio de macaquinhos, passo a palavra ao compositor Aldir Blanc.

      O texto do famoso parceiro de João Bosco veio-me às mãos, hoje, pela mão do presidente da Associação 64/68 - Anistia, Ceará, entidade que congrega indivíduos que foram presos políticos e lhes defende os interesses. Trata-se do combatente Mário Albuquerque, um dos três militantes filhos da Dona Lourdes, que, num artigo publicado em dois jornais da nossa Capital, chamei com muita razão de “mãe da Anistia”, no Ceará.

      Para não lhes roubar a chance de que provem do jiló da franqueza do Aldir Blanc, aí segue, na íntegra, a joia de desabafo do ilustre compositor. É sobre o que representou de nebuloso e triste o tal período do “golpe militar”, o dos “anos de chumbo”. Agora é esperarmos que a "Comissão da Verdade", composta por “notáveis” da nossa jurisprudência, sem revanchismo nem ficção, ponha a nu as crueldades da tortura e dos assassinatos contra os opositores do golpe de Estado de 64.

      Eis o texto do Aldir, que me foi enviado pelo Mário, com epigrafe deste combatente:



«EM BUSCA DE JUSTIÇA
by Aldir Blanc

“Quem não curtiu/curte e tem os discos de Aldir Blanc e João Bosco, autores, entre outras pérolas do nosso cancioneiro, dessa belezura "O mestre salas dos mares"? (Mário Albuquerque)


Não sou historiador nem sociólogo. Não consultei nenhum livro para escrever o texto abaixo. Minha memória esta se movendo como estilhaços do amado caleidoscópio que perdi, menino, em Vila Isabel. Viva a Comissão da Verdade para que nunca mais coloquem uma grávida nua sobre um tijolo, atingida por jatos d’água, com ameaça: “Se cair vai ser pior”; para que senhoras que fazem seu honrado trabalho não sejam despedaçadas por cartas bombas; para que um covarde que bote a boca de um homem torturado no escapamento de uma viatura militar não passe por homem de bem onde mora; para que orangotangos que se tornaram políticos asquerosos não babem sua raiva na internet: “Nosso erro foi torturar demais e matar de menos”; para que presos em pânico não sofram ataques de jacarés açulados por antropóides; para que nunca mais teatros e livrarias sejam vandalizados e queimados; para que um estudante de psiquiatria não seja obrigado a passar por sentinelas de baioneta calada para ouvir um coronel médico dizer que “histeria é preguiça”; para que os brasileiros possam homenagear um autêntico herói nacional, João Cândido, com um monumento, sem que surjam energúmenos prometendo “voltar a explodir tudo se isso apontar para o Colégio Naval”; para que a nossa Força Aérea, que nos deu tanto orgulho na Itália, com seus valentes pilotos de caça, não atire pessoas, como se fossem sacos de lixo, no mar; para que um pai, ao se recusar a cumprir a ordem de manter o caixão lacrado, não se depare com o corpo destruído do filho, jogado lá dentro feito um animal; para que militares honrados não sintam “constrangimento” na busca de Justiça; para que cavalos ( aqueles de quatro patas, montados por outros) não pisoteiem um garoto com a camisa pegando fogo por estilhaço de bomba, na Lapa; para que torturadores não recebam como “prêmio” cargos em embaixada no exterior; para que uma estudante não desmaie num consultório médico ao falar sobre as queimaduras do pai, feitas com tocha de acetileno; para que esquartejadores não substituam Tiradentes por Silvério dos Reis; para que inúmeros Pilatos ainda trambicando naquela casa de tolerância do Planalto vejam que suas mãos continuam cheias de sangue e excremento; para que nunca mais na vida de um jovem idealista -o queixo firme , olhos faiscantes de revolta, com a expressão da minha Suburbana no 3X4 que guardo na carteira - seja ceifada por encapuzados. Uma delas, quem sabe?, pode chegar a Presidência da Republica e enquadrar a récua de canalhas, Aldir Blanc.»

                                                                                                                        Fort., 05/06/2012.
Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 05/06/2012
Reeditado em 05/06/2012
Código do texto: T3706813
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