Pulou no Tanque

Alguns acontecimentos nos causam espanto em nossa pobre ou rica vida. Eles nos deixam tão parvos que não sabemos se gritar é o melhor, se rir, chorar, puxar os cabelos, sentar ou...simplesmente esperar que o tempo passe.

Um desses casos me aconteceu no começo do ano de 1985. Meu filho Júnior sempre foi e é, desde que nasceu, muito calado. Mostrou-se de um temperamento completamente diferente dos nossos outros filhos. Costumamos dizer que ele “puxou” o temperamento do “vô” Dito, o neto que meu pai mais gostava.

Quando chegávamos na cada deles para costumeira visita semanal, meu pai o chamava para a cozinha e perguntava se ele queria pipoca. Adivinha se ele dizia que sim aos pulos de alegria. Com satisfação estampada no rosto carrancudo meu pai se punha no fogão e panela na mão, a estourar pipoca era o neto e não fazia questão de dizer que “era pro menino”.

O Júnior cresceu calado não demonstrando muito suas emoções. Tenho uma foto dele com dois anos de idade, tomando sua refeição que parece que ela travava uma guerra imensa com o prato e o talher. Cara fechada e, sempre que alguém perguntasse se estava com algum problema ele dizia seco: NÃO! E a investigação não tinha êxito.

Ele sempre e até hoje tem um temperamento que considero alegre, transmite alegria nas rodas em que está e, ninguém fica triste. Tem sempre uma piada, um caso, alguma observação que arranca risos e gargalhadas de quem está presente, mas... “sério, muito sério”.

Em 1985 o ano letivo havia terminado e ele concluíra a quarta série primária. A escola queimou alguns papéis num terreno baldio em frente de nossa casa. Após a fogueira todos os meninos da rua, inclusive ele, foram ver de perto as cinzas deixadas pela fogueira.

E começou a investida dos maiores, incentivando a vaidade dos menores: “Quem tem coragem de pular lá no meio da cinza”? Quem não pular é isso, é aquilo. Eu tenho, eu não tenho e, ai que o Júnior disse que tinha e zás...de um pulo estava lá , pulando.

De repente... Ai! Ai! Saiu correndo pulando como um saci, chorando. Os meninos o acompanharam até casa num completo alvoroço.

O que aconteceu? Que gritaria é essa? Perguntei. O pai estava olhando o Junior pulando dentro do tanque e chorando: “Queimei os meus pés, pai”. “Como que aconteceu isso, menino? Você não estava jogando bola”? Estava, sim, mas os meninos perguntaram que tinha coragem de pular na cinzas da escola e eu pulei.O fogo estava pagado. Não tinha mais fogo. Só que por baixo ainda tinha fogo, pai. Ta doendo muito”. “ E vai piorar, porque você não devia ter pulado na água, e ainda com sabão”!

Nós corremos com ele para o Pronto Socorro. Os dois pés queimados, cheios de bolha enormes. Que lição dolorida, meu Deus. Culpamo-nos por tê-lo deixado na rua brincando, se estivesse lá dentro não teria tido ataque de valentia e não teria se queimado. Não vimos quando ele veio correndo e pulou no tanque com roupa de molho com sabão. Só ouvimos o banzé, a gritaria nos chamando. Ele ficou de “ molho” por muito tempo deitado sem poder andar e nem pular em nenhuma fogueira apagada, até os pés ficarem bons e ele poder andar. Recebeu muitas visitas dos amigos e houve também muita gozação, inclusive do pai da mãe e dos irmãos.

Depois do fato passado rimos muito da ingenuidade e até hoje, com trinta e dois anos, nos lembramos do corre-corre, o encontro dentro do tanque, muito pálido de dor e de medo do pai, do diretor da escola, que, diga-se, foi muito descuidado e irresponsável.

Águas passadas que deixaram marcas em nossas vidas que, podemos dizer até que engraçadas e, depois da dor o riso.