O milagre da energia elétrica

Imaginemos um ser humano completamente alheio a nossa cultura, excluído do nosso meio por um destes recantos do mundo, intocado, que desconhece todos os avanços da tecnologia, os confortos da vida moderna.

Este indivíduo é encontrado e trazido a sociedade. Colocam-no dentro de um ônibus e ele se espanta, pois só conhecia uma velha carreta. O ônibus se desloca no asfalto sem solavancos, e ele só conhecia estradas e caminhos. Está reclinado em uma confortável poltrona vendo coisas pela janela num misto de alegria, apreensão e espanto. Não o prepararam para nada. Chega a cidade e lhe mostram a televisão, o telefone, a geladeira, a água correndo da torneira, o rádio, o computador com imagens e ruídos, uma lâmpada sendo acesa ao toque de uma tecla.

Dão-lhe de comer e convidam-no a sair a noite para conhecer a cidade. Querem lhe mostrar tudo de uma só vez e lhe mostram o cinema, o shopping, o bar, as pessoas passeando, os guardas no seu trabalho noturno, o hospital ainda atendendo seus intermináveis pacientes.

Mas na cabeça deste ser humano alheio, na sua rotina, o dia já se foi a muito, o sol já se pôs há horas. Este ser humano alheio, dá-se conta que tudo que lhe envolve são inexplicáveis milagres, inconcebíveis e inimagináveis. Os sons e ruídos são todos, acontecendo como por determinação do sobrenatural.

Mas para nós, sociais, habituados, tudo é tão natural e explicável que as coisas o são e o são assim, consumimos sem muitas delongas ou comentário, faz parte de nossa cultura e não perguntamos. Consumimos. Sentimos geralmente quando não a temos.

E em assim sendo, nos esquecemos de milagres, tão racionais, tão lógicos, tão explicáveis. Milagres feitos minuto a minuto, por pessoas tão habituadas, que até sua real capacidade desconhecem.

São pessoas, que a exemplo de tantas outras atividades essenciais, executam sua parte na engrenagem e não querem nada mais do que trabalhar e viver e continuam a fazer o que não é nenhum milagre. Fazê-lo da melhor maneira possível. Como é essencial se resignam a fazê-lo 24 horas por dia. E não é uma pessoa, é um grupo, uma equipe, gerando, distribuindo esta energia cultural que merece a exemplo de tantos outros, o reconhecimento profissional na forma mais antiga que nossa cultura conhece: um cargo, uma responsabilidade e um salário. Param que usufrua como qualquer ser humano habituado, dos milagres que acontecem no dia a dia.

Ijuí, 24 de abril de 1996.