Advogado do diabo?

“Advogada mentirosa, só se preocupa com o dinheiro, não se importa com as pessoas”, era assim que Rúbia Gomes começava as discussões com sua irmã mais velha, estudante de direito. Na época, Rúbia ainda enfrentava o período da adolescência enquanto Lóide, a irmã, cursava Direito na Fundação Educacional do Nordeste Mineiro. “As provocações começavam por coisas bobas, e eu sempre aproveitava o momento para cutucar a ferida”, lembra a caçula. Mas não era somente durante os momentos de discussão que Rúbia usava o jargão. Ela também não hesitava exercer seu senso de humor nas horas de lazer com a família. “Eu baixava várias piadas sobre advogados na internet só para contar à Lóide. Minha irmã não gostava muito, mas ria comigo, ou achava uma piadinha de jornalista para se defender”, conta.

Apesar das brigas de irmãs, Rúbia, e grande parte dos brasileiros, reconhece o preconceito com os profissionais de direto, e até mesmo, sente aversão por eles. A estudante de publicidade e propaganda, Franciely Soethe, é um exemplo disso: “Eu não tenho preconceito, eu só vejo a realidade.” A discriminação com a profissão é fato, e pode ser comprovadas pela opinião dos colegas, dos amigos e dos próprios familiares. Ednei de Olveira, aluno do 2º ano de Direito, ouviu várias as ofensas dos pais quando optou estudar direto. “Minha família dizia que estaria sendo treinado para mentir”, confessa. Ele declara que só agora, depois de dois anos de curso, consegue entender que o preconceito é o reflexo da ignorância.

Dolores de Freitas, colega de Edinei, também admite que foi vítima de discriminação. Ela recorda que as primeiras críticas surgiram ainda no ensino médio quando fez sua escolha profissional. “Minhas amigas diziam que o curso me obrigaria a mentir muito”. Maicon Vaz, estudante do 3º ano de Direito, é outro futuro profissional que se une ao grupo de vítimas. Vaz diz que enfrentou o preconceito dentro da própria Igreja em que é membro. “Um homem de status na Igreja Adventista do Sétimo Dia condenou meu curso, dizendo que Direito é curso de homens maus, que precisam fazer coisas erradas para alcançar seus objetivos”, expõe. E assim, milhares de estudantes de Direito enfrentam diariamente o ultraje da falta de informação sobre a advocacia.

O delegado de polícia em Campinas e professor de Direito Criminal no Unasp, Campus Engenheiro Coelho, Luiz Henrique Zaga, considera o preconceito uma realidade e explica que a situação: “No mundo da justiça, a ação de defender um criminoso é vista como uma utilidade. No entanto, para a população esse ato é avaliado como omissão e complacência com o crime”.

O papel do advogado, segundo o delegado, é garantir a todo o cidadão o direito de defesa, que lhe é assegurado por lei. O professor de Ética no Direito, José Umberto Moura, entretanto, não descarta o descompromisso de alguns profissionais. Para ele, há fortes evidências que apóiam a visão discriminatória de grande parte da população. “A mentira e a falta de princípios está sendo incorporada no cotidiano de diversos profissionais como um fato comum”, explica.

A discussão em torno da índole e moral dos advogados da margem para outros questionamentos como a forma prepotente que estes profissionais se relacionam com os demais grupos sociais. Fátima Carvalho, estudante de Direito, afirma que o fato de os advogados recém-formados se auto-intitularam “doutores” é um problema sociocultural. “No Brasil, qualquer pessoa que conclui o ensino superior se acha superior aos demais”, acredita. Já para Vaz, a definição é justa. “Quando alguém conhece a lei, ela pode ter toda a autoridade do mundo”, afirma.

Moura esclarece que a lei possibilita o título de doutor para os bacharéis em Direito aprovados no exame da OAB. “A nomenclatura é usada como uma estratégia de preservação as características pessoais do profissional, definido como firme e de forte convicção”, pontua.

Em vista de tantos defeitos agregados ao perfil do advogado, surge a dificuldade de dezenas de moças e rapazes do curso de direito em conseguir um namoro. Rúbia é bem enfática quanto as possibilidades: “Eu não me arriscaria”.

Cabreira
Enviado por Cabreira em 10/04/2007
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