O Canibalismo dos Ameríndios Brasileiros

OS POVOS AMERÍNDIOS

Denominação genérica dos diferentes povos que viviam na América antes da chegada dos europeus no século XVI. Suas atividades eram a agricultura e seus implementos.

Os conquistadores europeus encontraram povos que, embora possuíssem certa unidade étnica, apresentavam enormes diferenças sociais e culturais. A dispersão geográfica e os contextos históricos diversos faziam com que civilizações complexas em todos os aspectos, como os astecas e os incas, coexistissem com tribos nômades de organização e modo de vida muito simples, como por exemplo, os peles-vermelhas, e até com comunidades primitivas de características ainda do mesolítico como é a maior parte dos índios brasileiros.

De modo geral, os povos das selvas tropicais constituíram -- e muitos constituem ainda -- pequenas sociedades coletoras ou de escassa agricultura de subsistência. Representavam exceção, nesse quadro, os dos contrafortes orientais dos Andes, do Equador à Bolívia, que tiveram contato com as civilizações andinas e teciam algodão, tinham animais domésticos e utensílios cerâmicos. Guerreiros ferozes, para eles era símbolo de prestígio a posse de cabeças cortadas aos inimigos, que os jívaros aprenderam a reduzir a um terço ou menos que o tamanho natural. Entre os numerosos grupos de tupis-guaranis das selvas brasileiras, a belicosidade também era constante, incluindo o canibalismo.

O CANIBALISMO DOS AMERÍNDIOS BRASILEIROS

Não era uma característica geral, porém, algumas tribos eram canibais, como os Tupinambás, que habitavam na região sudeste. Mas, o canibalismo dos índios nada tinha a ver com o que foi ensinado pela “literatura oficial”. Esta dizia que havia índios maus, que gostavam de caçar outros seres humanos para comerem, em forma de churrasco. Tal ensino vigorou por centenas de anos e ainda dura até os dias atuais. Esta desinformação facilitou a tarefa dos bandeirantes de exterminá-los. Mas, a situação era bem diferente do que os invasores apregoavam.

Os índios canibais comiam carne humana não para se alimentarem com ela, mas porque fazia parte de um ritual que seguiam. Existia entre alguns deles a crença de que, se comessem um pedaço da carne de algum guerreiro corajoso ou forte, durante um ritual religioso, a força ou coragem deste passava, até por vontade do morto, para os que comeram. Desta forma, não se alimentavam da carne de pessoas fracas ou covardes. Mas isso só acontecia após uma guerra, o que era muito difícil de acontecer.

Esse ritual canibal era considerado também uma honra para a tribo do índio morto, pois viam que o “inimigo” os respeitavam muito a ponto de querer ser como eles.

De outro modo, o canibalismo nunca acontecia. Não se guerreava para praticar o canibalismo. E não há na história registrada evidência de que alguma vez os índios praticaram canibalismo com um homem branco, até por que, o homem branco, não era visto, pelo índio, como alguém digno de ter sua carne comida em ritual, caso fosse morto em uma guerra. Os índios viam o homem branco, na melhor das hipóteses, como filhos de deuses maus, inimigos dos deuses da tribo. Não poderia o homem branco ser oferecido no ritual de canibalismo, de maneira alguma, senão a tribo seria amaldiçoada, segundo o que acreditavam.

O que aconteceu para que as pessoas de hoje em dia pensem que o canibalismo indígena era próprio de homens muito maus? Os religiosos da época, desconhecendo, ou minimizando, a crença indigna que permitia tal ato distorceu todos os fatos, moldando-os aos interesses da corte portuguesa, e passaram a espalhar essas distorções, para o povo, que, na falta de opção, acreditavam horrorizados.

Entre os anos de 1500 a 1640, os portugueses instalaram entrepostos comerciais na costa do Brasil. Trocavam por badulaques o pau-brasil trazido pelos índios. Os silvícolas começaram a ser enviados à Europa como escravos e o fato os revoltaram. Em 1556, Dom Pero Fernandes Sardinha, o primeiro bispo do Brasil, foi devorado pelos caetés ao naufragar no litoral de Alagoas. Tendo em vista esse e outros acontecimentos o governador-geral Men de Sá levou a cabo o extermínio dos índios caetés.

Os primeiros habitantes do Brasil foram vítimas do processo colonizador. O europeu, com visão de mundo calcada em preconceitos, menosprezou o indígena e sua cultura. Se acreditarmos nos depoimentos deixados pelos viajantes e missionários, a partir de meados do século XVI, houve um decréscimo da população indígena, que se agravou nos séculos seguintes. Os fatores que mais contribuíram para o citado decréscimo foram o canibalismo, o sentido mítico das práticas rituais, o espírito sanguinário, cruel e vingativo dos naturais. Também outros motivos foram à captura e a venda do índio para o trabalho nas minas de prata do Potosi, as guerras permanentes entre as tribos indígenas e entre os índios brancos, as missões jesuíticas do vale amazônico e a exploração do trabalho indígena na extração da borracha e as epidemias introduzidas pelo invasor europeu e a escravidão dos índios.

Nem sempre os indígenas brasileiros foram vistos como vítimas ¬ e sim como terríveis algozes ¬ comprova-o anônima pintura de 1550 no Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa: trata-se de um Inferno à maneira de Jan. Mandyn ou de outro qualquer imitador de Bosch, no qual o grupo de demônios submete condenados à tortura, sob as vistas de um satanás significativamente ostentando à cabeça cocar e vestindo o que pode ser um traje de penas, não muito diferente, aliás, do usado por Baltasar na Adoração dos Reis Magos de Vasco Fernandes, há pouco mencionada.

O espaço central da composição é ocupado por gigantesco caldeirão fervente sobre uma fogueira, tendo dentro cinco danados, dois deles tonsurados. Embora caldeirões escaldantes fossem freqüentes nas representações pictóricas do inferno desde fins da Idade Média, não há dúvida de que o considerável know-how dos canibais brasileiros em cozinhar seus inimigos foi o que sugeriu ao autor da pintura, ou a quem a encomendou, emprestar a satanás a aparência de um feroz tapuia, mesmo porque como demônios é que não poucos lusitanos devem ter visto excessivamente de perto tais selvagens, mais ou menos.

pela época em que a obra foi feita.

A verdade é que muitas obras ilustradas eram expostas na Europa com figuras de índios brasileiros e que denotavam detalhes de antropofagia.

Durante o ano de 1549, o alemão Hans Staden, de Hessen, por nove meses prisioneiro dos tupinambás, publicou em 1557 o relato de suas aventuras no Brasil ¬ a Warhaftige Historia und beschreibung eyner Landtschafft der Wilden, Nacketen, Grimmigen Menschfresser Leuthen, in der Newenwelt America gelegen etc., ilustrada por mais de 50 xilogravuras, entre mapas, combates, embarcações, cenas da vida dos índios, festins antropofágicos, cenas do seu cativeiro e até dois exemplos da fauna local, um tatu e um gambá. De qualidade discretíssima, algumas das xilogravuras podem ter sido baseadas em esboços feitos pelo próprio Hans Staden após seu regresso à Europa, enquanto muitas outras, que pouco ou nada têm a ver com o texto, foram simplesmente fornecidas pelo editor para de alguma maneira embelezar o livro.

Alvino Chiaramonti
Enviado por Alvino Chiaramonti em 08/05/2007
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