Um poeta acorda

''O dia amanhece com um chuvisco de leve. No meu quarto escuro e gelado escuto o barulho dos carros que passam pela rua. O tempo é de inverno mas o sol é de verão e as flores de primavera. Com o outono nada parece não. O ventilador está ligado no nível 3, e então o quarto gela de vez e preciso de um edredom. São oito horas da manhã, estamos em um sábado - que sábado parecendo feriado, o ânimo ainda não é de fim de semana, que sábado calado. O chuvisco a essa hora me traz tanta calma, o barulhinho das gotas batendo na janela, o silêncio da rua como quem espera a chuva parar, o meu olho que quase não abre e me deixa descansar.

Parece que Deus acordou nos planos de limpar um pouco essa cidade, parece que essa suavidade das gotas quase invisíveis de tão fracas, veio para nos abençoar. Os pássaros começam então a assoviar, assobiar não, cantar. Um canto aqui, outro ali, escuto a chegada do bem-te-vi, e há um canto que adoro e não sei qual é o cantor, mas quase todas terças e quintas quando passo em algumas ruas, eles me recebem com seu canto contagioso, e começo a cantar junto.

E então levanto, e me aproximo da janela, 'o sol vai subindo, vai caindo a garoa, o céu é tão lindo a manhã é tão boa'. Me deito no sofá, onde a claridade do sol invade, e começo a desenhar. Rabisco pássaros, árvores, flores, um sol que se levanta, uma lua que se mescla com as nuvens, uma vista da janela embaçada de onde se vê uma rua vazia - essa imagem se torna em poesia. Mas eu não pinto o desenho, por que poesia não deve ser explicada e então que as cores venham da imaginação de cada leitor. O dia pode ser nublado, a rua pode ser vazia, o canto não revelado, mas o dia pode ser tão lindo e colorido se você colocar um sorriso no rosto e ver aquelas imagens como se fosse algo novo, como se fosse quadro famoso, como se fosse fantasioso.

Mas então meus olhos se fecham, e deitada no sofá torno a dormir, acordei apenas para refletir, agora preciso descansar e eu sei que os cantos desses pássaros vão me ajudar.''