Estado e Sociedade na política de Gênero (Laís Araújo M.)

No decorrer da história da humanidade surgiram diversos entendimentos de cidadania em diferentes momentos. A Revolução francesa é o marco escolhido para dar inicio a esta narrativa. Ao criar a idéia de que todo ser humanos tem os mesmos direitos ao nascer, forja-se a base do conceito de cidadão.

A igualdade passa a ser a pensada como todos os seres humanos têm os mesmos direitos desde o nascimento e não a idéia de que todos ter os mesmos bens e rendas. A igualdade é formal, não real. Assim, liberdade, igualdade e fraternidade tiveram um caráter inicial vinculando aos interesses daquela classe que dirigiu a Revolução Francesa. Esta contradição entre os cárteres formal e real, até hoje são causas de luta pelos direitos sociais, da qual são exemplos das políticas de ação afirmativa.

No Brasil, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular (Getúlio Vargas). Naquele momento histórico e político, o país viu construírem-se seus direitos com a criação do salário mínimo, da consolidação das Leis do Trabalho (LCT), em 1943, e da carteira de trabalho.

A política publica promovida pelo Estado e por governos foi muito limitada privilegiando uma pequena elite e desconsiderou todo o restante da sociedade. Houve dois grupos incluídos, de forma desigual: a elite nacional (urbana e rural) e os/as trabalhadores/as urbanos assalariados/as e com carteira assinada. O privilegio torna-se um direito para pequenos grupos e, muitas vezes, para uma nova elite que consegue se formar nos espaços de poder e decisão política.

Depois vieram os direitos políticos. A expansão do direito do voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgãos de repressão política foram transformados em peça decorativa do regime (militar). Nesta época, o Estado direcionou o desenvolvimento econômico e social no país através do planejamento econômico.

Nota-se que o Estado era bastante intervencionista do ponto de vista econômico, pouco ou nada atuando na esfera social. A perspectiva implícita era de que o crescimento econômico por se só seria capaz de alterar o quadro social. Uma grande parcela da população encontrava-se, então, em condição de pobreza e de miséria, sem acesso à educação, à saúde e a serviços públicos básicos, e o próprio crescimento econômico acelerado começou a exaurir no final dos anos 1970.

A sociedade civil brasileira passou a pensar na redemocratização do sistema graças aos movimentos sociais, que desde 1970 aos longos dos anos 1980, organizaram-se em torno de questões urgentes (moradia, transporte, saúde, educação, etc.). Essa nova cidadania que começava a se instaurar apontava para um projeto de transformação societária de matriz democrática, colocando política e cultura em discussão.

O Estado começou uma busca pela construção de um cenário de campos de atuação partilhada, almejando a efetiva consolidação e constituição associativa e democrática, passando o seu papel de garantidor de direitos convocando a sociedade civil a participar deste novo projeto nacional. Ele procura redirecionar suas demandas diretamente para o novo ator constituído pela própria sociedade.

Isto porque o avanço da estrutura liberal-assistencialista, que privatizou os espaços públicos em continuidade a praticas predatórias de diversos níveis e atuações, determinou uma inflexão profunda na cultura política no Brasil e na America Latina (Reis, 1998). Atenção deve ser dada também as implicações das transformações que se produziram nos movimentos sociais e organizações da sociedade no Brasil, e as suas implicações sobre o modelo político democrático. Do fortalecimento político de grupos subalternizados, que se instituem como sujeitos proativos, emergem paradoxos políticos importantes.

É a partir de então que se institui o chamado Estado de Direito (supremacia da constituição, separação dos poderes, prevalência dos direitos fundamentais) em que o Estado realiza suas atividades respeitando as normas jurídicas e pondo fim à era do Estado-Policia.

Após este período, as normas passam a definir os procedimentos não só para o poder político, mas também para os/as cidadãos/ãs e para aqueles/as excluídos/as da sociedade.

Portanto, se a função do Estado é exercer o poder político e se seu objetivo maior é o bem estar dos/as cidadãos/ãs, os interesses públicos devem prevalecer sobre os interesses privados e sua ação deve estar sempre norteada pelo principio da legalidade (exercer o poder respeitando as próprias leis, através do Legislativo eleito), bem como privilegiar as parceiras com a sociedade civil organizada como forma de garantir maior efetividade nas políticas publicas fazendo jus ao seu caráter democrático e participativo.

Ademais, no tocando aos normativos jurídicos e ações afirmativas, com objetivo fundamental, o Estado deve então perseguir a concretização do Principio da igualdade, o que permite afirmar que políticas de cunho positivo, tais como as ações afirmativas, estão de acordo com os objetivos constitucionais. Cabe destacar o entendimento de Joaquim Barbosa Gomes

(...) um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego (Gomes: 2001: p.40)

A adoção de ações afirmativas tem por base o pressuposto de que somente através de intervenções específicas, ainda que temporárias, uma determinada situação persis-tente de inferioridade, discriminação ou desigualdade social poderá ser superada.

Além de alcançar o ideal da igualda¬de de oportunidades, elas pretendem também “induzir transformações de ordem cultural, pedagógica e psicológica, aptas a subtrair do imaginário coletivo a ideia de supremacia e de subordinação de uma raça em relação à outra, do homem em relação à mulher” (Gomes, 2001: p. 44)

Diante da reflexão proposta, ressalta-se o papel do Estado como promotor dos direi-tos inerentes à ampliação dos serviços públicos e das políticas públicas em geral, bem como sua essencialidade no fortalecimento das instituições do Direito na busca pela igualdade de gênero e raça, na afirmação e reconhecimento das especificidades cultu¬rais das comunidades.

Sendo assim, como fruto do movimento de mulheres e de sua participação política, resultou na realização de conferências e encontros nacionais e internacionais, surge um novo olhar, direcionado para fatores culturais e sociais que reproduziam as desigualdades e as discriminações de gênero.

Com o objetivo de elaborar políticas públicas que atendessem às necessidades das mulheres brasileiras e que contemplassem a diversidade existente, a Secretaria de Políticas para as Mulheres convocou e realizou em 2004 a I Conferência Nacional de Mulheres, a qual resultou na elaboração e aprovação do I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM I).

Tal plano articulou diversas parcerias com o Ministério da Justiça, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da Saúde, Poder Judiciário e Poder Legislativo. Paralelamen¬te, estabeleceu parcerias com estados e municípios, resul-tando no repasse de recursos para criar e equipar várias Delegacias da Mulher, Casas-Abrigo e Centros de Refe¬rência. Também foi obtido apoio das Defensorias Públicas e do Ministério Público para a criação de Núcleos Especia¬lizados no atendimento às mulheres vítimas de violência, além de ter desenvolvido ações para garantir os direitos das mulheres em situação de prisão, em parceria com o Departamento Penitenciário/MJ.

De fato inovou a gestão principalmente por romper com a concepção segmentada de elaboração de políti¬cas específicas, tradicionalmente usada no país, inaugurando a Gestão transversal na elaboração e execução das políticas públicas.

Em suma, a construção do Estado democrático de direito exige políticas públicas que contam em sua formulação com a participação da sociedade civil para cumprir o processo de construção da cidadania. Os movimentos sociais exigem uma constante vigilância, acompanhamento e luta permanente pela efetivação plena dos seus direitos conquistados.

Outro ponto também é o desafio permanente de fundir as políticas universais às políticas de ação afirmativa. Ao meu ver, a elaboração, coordenação e implantação de direitos e políticas orientadas pelo enfoque de gênero e raça, outorgam vigência e importância a uma temática capaz de promover tanto o fortalecimento da democracia quanto a ampliação da cidadania e da justiça social.