Por que ser realista?

"Por que não falar de coisas boas?"

"Por que não falar de amor?"

"Não faz mal ser realista?"

"Afinal... Por que quer falar disso? Tão moça, menina!"

Vamos rir?

Não estou aqui para criticar ficções fantasiosas - até porque já li e gostei de muitas - tal como não estou aqui a criticar as poesias com temáticas cem por cento dirigidas ao amor, amizade, paixão, anjos platônicos cortados ao meio, ninfas com hálito de menta que não se preocupam em acordar cedo para outro dia de luta naquele emprego de sempre - favor sempre maquiadas.

*Cof cof* Perdão, vamos lá para as perguntas retiradas das perguntas: Por que não perguntar "por que não ser realista?" ou simplesmente "O que é ser realista?"

Queridos leitores, sociedade, ximbabus, bruxos de Hogwarts, Hannah Montana, Bela Adormecida e Romeu... A palavra "realista" provém de outra menor mas real. Por que diabos não falar do existente? E por que diabos acham que os realistas só falam de coisas ruins?

Aliás, aí entra uma outra questão ainda mais complexa... O que seria "coisas ruins"? Sentir raiva, desejo, cobiça, inveja, ódio, desdém, indiferença? Sentir "x" enquanto o outro sente "f" de "flores"? Levantem as mãos da mente quem nunca sentiu nada disso. O objetivo pode ser clichê para os de fora, mas o que vale é quem está se vendo de dentro.

Ironias à parte - só que nunca -, será que os tachados "bons sentimentos" são tão fora da realidade? Jamais! A Psicologia reafirma.

A questão do nosso tão negável realismo, para muitas pessoas, não está em falar simplesmente de sentimentos e emoções e sim da realidade do mundo, da crítica, do pensamento. De temáticas desesperadoras em busca de, não direi "conscientização" porque estaria sendo idealista demais, mas em busca de reflexão, que seja! Mínima absorbância possível, quem sabe! A desistência é a última que morre. A vontade de mostrar o que é explícito é até louca! - Sentimentos e emoções "negras" fazem parte da miscigenação do real.

Cesso aqui o pequeno fragmento da imensidão de fatos para relatar um dia, em que estava eu a ler críticas literárias e acabei por encontrar uma sobre "O Cortiço" de Aluísio Azevedo na qual a pessoa que criticou disse apenas isso: Um livro porco e sujo.

"Um livro porco e sujo", repito. Por quê? Porque o porco é simbolicamente naturalista e real em um cortiço "cheio de cabeças de porco"? Porque negros encardem os pálidos? Ah, que isso... Retomar algo que gerou discussão intensa por tantos anos estendidos. O que isso tem a ver comigo? O que tem a ver com a nossa sociedade cotista étnica de hoje que impede um passaporte por um penteado afro? Um livro porco e sujo... Um dos melhores chiqueiros escritos, não nego.

Ai, como é triste o descaso histórico, o legado do legado do legado... Como é triste ver tantos olhos se fechando para os acasos do mundo.

Eu entendo as pessoas que buscam apenas uma distração ou apenas doces palavras que flutuem, ou obras repletas de ideologias de conforto. Tudo isso a Psicologia também reafirma.

A realidade é uma variável ao ambiente, à vida de cada ser, ao fator social, à rotina. Ser realista é até engraçado, tendo em vista que independente do que você "for" estará lidando com a realidade incontestável, que está aqui porque existe.

Sim, ser realista é uma forma de ativismo, na literatura. A inspiração pode ser um pesadelo, um pensamento, um tapa na cara ou uma carícia nos cabelos.

Não faz mal ser realista, não fico mal em escrever sobre o mundo real, não ficaria mal escrevendo sobre gnomos e fadas que rodopiam... Porém a minha obra pertence ao que desejo passar - realidade de quem escreve, momento, criticidade e até misantropia.

Ao lançar o livro "O crime do padre Amaro", Eça de Queirós foi absurdamente pressionado pela Igreja e com isso, pela sociedade. Hoje, denúncias são feitas constantemente envolvendo ou não a Instituição, com "temáticas" extremamente semelhantes. Quais crimes! Julguemos?

Não há o que falar, senão? Será? E as catracas da vida? E o comodismo que continua envolvendo pessoas nos braços? E a incapacidade analítica de tantas mentes humanas? E o esgotamento? E as pessoas homossexuais espancadas? As pessoas transgêneras assassinadas? E a política sendo tão "discutida" por tanta gente que não faz ideia de como fazê-la?

Dar uma volta em Nárnia é maravilhoso demais, de vez em quando. Mas falar sobre sua própria Nárnia pode ser diferente de dar uma volta.

Não precisamos perder elementos românticos para "falar de coisas ruins".

Agora perguntarão se isso é uma sátira? Se for é bem verídica.

Tai Sant Ollem
Enviado por Tai Sant Ollem em 20/07/2014
Reeditado em 20/07/2014
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