Sobre relacionamentos abusivo

Bem, acho conveniente tratar sobre aquilo que dia a dia vivenciamos ou que um dia já vivemos, ou que simplesmente faz parte da realidade do outro, e muito mais que isso, pois discorrer criticamente sobre um fato funciona muitas vezes como uma "medida cautelar" para se evitar tantos outros, para nos atermos. Mesmo que ainda assim seja inevitável que determinados casos se sucedam, pois via regra, eles independem das nossas escolhas.

Ponho-me a escrever por diversos motivos, sendo um deles, justamente por entender que tudo que irei colocar, está presente em nosso cotidiano.

Quantas vezes ouvimos frases em torno do nosso dia a dia, do tipo: "Tem mulher que apanha porque gosta", em meio a uma serie de perguntas feitas até mesmo por outras mulheres na tentativa de nos ajudar, mas que inevitavelmente tornam a situação mais degradante ainda, que nos impregna o sentimento de culpa, que sustenta a ideia de que estamos ali por uma mera escolha... E isso não é verdade!

Apesar de termos um mísero sinal de que aquilo "está ao alcance dos nossos olhos", é como se, também, não pudéssemos enxergar. Continuar ali me machuca, eu posso sentir, eu apenas estou tentando ser forte e suportar, mas na verdade, na realidade mesmo, essa é só uma parte de mim, que diz saber, a outra parte do meu eu, não sabe de verdade.

Repare bem, eu realmente não enxergo, e posso ate concordar quando você e as demais pessoas dizem que eu estou cega.

Mas olha é isso que não faz bem, isso não nós faz bem!

Eu estou tentando te explicar que eu estou cega, mas eu não sou. E ser, é diferente de estar.

Você me entende agora?!

Bom, acontece que é a partir dai que passamos a questionar e a cobrar uma posição daquela pessoa que sofre com relacionamentos abusivos. Perguntamo-nos o porquê daquele fim não ter sido dado?!

Sinto de verdade em dizer que nunca foi fácil, quanto pensa... Não é tão simples por fim em um relacionamento abusivo e isso nós leva a um caminho em que devemos procurar analisar os fatores que estão por trás.

Confesso que só decidi iniciar esse dialogo, por certa vez ter me chocado com uma pergunta estupida, feita por um antigo colega de trabalho:

"Roane, você não acha que muitas mulheres gostam de apanhar?"

Por impulso da minha radiante mania de fazer com que a própria pessoa chegue a obter a própria resposta, eu simplesmente assim fiz.

Para mim era nítido que aquela pergunta não teria assim surgido de maneira aleatória, haveria algo por trás, e o mais provável, teria alguma mulher de sua família enfrentado um relacionamento abusivo?!

Me sinto infeliz em ter que automaticamente ligar a isso, mas eu realmente não me enganei, o que é mais triste ainda.

À medida que nossa conversa fluía ele foi se abrindo e me disse que sua mãe já teria sido agredida pelo ex-parceiro, por diversas vezes, verbalmente e fisicamente.

Dizem que um dos assuntos que talvez mais toque no ponto fraco das pessoas é falar sobre a mãe. E eu quis então lhes perguntar: "Você realmente acha que sua mãe gostava de apanhar?”.

Ele passou horas refletindo...

Eu não precisava daquela resposta, eu não queria que ele me respondesse, esperava apenas despertar a sua capacidade de poder refletir diante ao caso.

Olha, não é fácil, não é mesmo!

E como eu disse anteriormente, existem diversos fatores que fazem com que a pessoa permaneça numa relação tóxica.

Não somos todos iguais, somos seres humanos, porém diferentes, com realidades distintas.

Somos racionais, porém emocionais.

Somos mundos diferentes, porem compartilhando o mesmo espaço.

Necessitamos de certo consenso.

E quando eu falo isso eu também afirmo que cada um de nós tem uma maneira diferente de amar. Mas nenhuma maneira seria comparável com a da mulher que ama, e eu trato disso mais a fundo.

Por diversas vezes há certa dificuldade em entender que o outro não nós ama. Isso acontece pelo nosso nível de envolvimento, por não notarmos com tanta facilidade que o outro nos ignora via: descaso, possessividade, todo grau de violência.

O caminho mais comum dessas pessoas que vivenciam esse tipo de situação é o de justamente procurar uma justificativa para aquela situação e se conformar com a mesma. Sustentando assim a ideia de que aquilo só ocorreu devido a algo que não deu certo para seu parceiro, seja no trabalho, entre amigos, ou qualquer outro suposto "problema dele". E a verdade é que não deveria ser esse o caminho. Isso alimenta seu sentimento de culpa, de achar que mais uma vez você fez tudo errado, de que você não foi o bastante para evitar aquilo ou você não foi o bastante para encontrar uma solução. Estou certa de que é realmente isso que você pensa, correto?!

Mas não, a culpa não é sua moça. Isso não passa de uma forma bem articulada por eles para que o erro seja eternamente imposto a você.

Não se justifica abusos.

Não estamos isentos de irritar uns aos outros, mas quando eu me refiro a um relacionamento abusivo, não se trata apenas disso.

Há um fato preponderante nos relacionamentos abusivos, que nos remete a uma sensação de falso conforto e estupidamente nos faz aceitar tudo isso, esse fator no qual me refiro é sobre a forma em que somos educadas a "amar".

Nós mulheres!

A nossa educação, desde o princípio de nossas vidas, esteve relacionada a ser basicamente servil para o macho, ser prestativa e gentil.

Crescemos acreditando que tudo pode dar errado em nossas vidas, menos o amor. Afinal o resto seria mero detalhe aos olhos de uma sociedade machista, um patriarcado que nos estupra, não é verdade?! O resto é capricho, pois é sustentada a ideia de que são os homens os responsáveis por suprir qualquer outra necessidade que tivermos.

E assim deveríamos ser adeptas. Triste de nós se não fossemos feministas, pois mesmo não estando impedidas de tanta merda, estamos prontas para lutar.

Eu vi, eu vejo, eu assisto e está em todos os lugares. Nos filmes, nas novelas, e até mesmo em alguns livros que ironicamente são destinados a nós mulheres. Tá lá!

Eu vi em algum lugar que nos mulheres nascemos para agradar os nossos maridos. Vi também que quando se "ama" de verdade devemos sobre tudo persistir (ou seja, mendigar o amor do macho) e isso tudo acontece com a gente sem ser percebido.

Quem de nós nunca chorou por um homem?! Nem que isso tenha se passado na infância?!

Por vezes pelo fim de um relacionamento, outras por não existir nem o começo. (Estar em um relacionamento: o que é visto como mérito para os outros).

Mas o pior, acredito firmemente de que o pior é sempre quando aquele homem sabe do "poder" que detém e se usa disso, isso é mais que privilégio para eles, minhas caras! Quando ele decide continuar, porém com um abuso de grau mais elevado, usando-se da sua fraqueza, e que te machuca mais e mais.

Foi assim com um dos parceiros da minha mãe.

E eu infelizmente vivenciei todo aquele abuso, naquele momento eu também fui abusada.

Muitas vezes, e aqui eu cito exemplo do que eu vi, você continua pela falta de oportunidade no mundo. Pela falta de emprego, pela falta de um pai dos seus filhos, e principalmente por encontrar como única saída (estrategicamente articulada) ter que se submeter ao macho. É "permitir-se" ser violentada todos os dias por ele, em troca de um sustento para seus filhos e até mesmo pelo seu próprio sustento.

Engana-te se pensa que tudo isso está ligado somente a um relacionamento abusivo, o problema é bem maior.

É o machismo, é a misoginia, é o sistema nos explorando, é o capitalismo covarde.

Tudo isso faz com que você pense que você deva amar por dois, que você faça tudo por dois e pelos dois. E aos poucos ficamos desacreditadas se poderia existir outra relação saudável, e talvez com tudo que ele te "ofereceu, proporcionou". Mas na real, não é disso que precisamos, e também não te basta ouvir isso.

Nossos pensamentos estão moldados, fazem acreditar que devemos permanecer com aquele que continua conosco, mesmo porque colocamos defeitos em nos mesmas para sustentar a ideia de que só ele nos merece, e que só por ele seremos aceitas.

Sugiro que se isso ocorrer, mesmo que seja difícil, primeiramente se aceite, se desprenda de toda essa regra a nós imposta.

Mas acontece que ainda assim não estamos salvas dos incontroláveis abusos, quando nos desprendemos disso, de maneira tão árdua, ainda pode existir a possibilidade das ameaças, das chantagens emocionais, podendo você mais uma vez ceder como das outras vezes.

É, viu que não é fácil?! E olha que ainda assim não fui adiante com os diversos tipos de abuso.

Mas o meu ideal é te fazer refletir, assim como fiz com aquele amigo, lembra?!

Não apenas você que vive, mas principalmente para você que tanto julga que tanto diz ser fácil sair.

Pra finalizar quero dizer que nenhuma forma de violência deve ser tolerada, como nas situações que descrevi, de uma relação hétero. O que também não isenta a possibilidade de abusos dentro de outros tipos de relacionamentos. Denuncie!

Roane Muniz

Roane Muniz
Enviado por Roane Muniz em 23/08/2016
Reeditado em 23/08/2016
Código do texto: T5737917
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