Uma experiência quase alcoólica

Ir sozinho em um bar tomar uma cerveja, deveria ser algo normal, porém isso não era bem-visto na cidade pacata de Charles e ele nunca se atreveu a fazer isso. Sempre passava na frente de um bar específico, ele era misterioso, não tinha fachada, tocava uma música de fundo, ele nunca soube qual era pois o som sempre era abafado. Certa noite ele passou na frente, estacionou próximo, tomou 5 doses de tequila para ter coragem, pois tinha em mente que aquela noite iria naquele bar.

Ele, suando frio, se aproximou do local, não havia fila ou resquício de pessoas por perto, apenas um enorme segurança, vestindo um terno preto, que o encarou de cima a baixo, depois de alguns segundos embaraçosos em que Charles parecia que teria sua alma arrancada e inspecionada, a pessoa, do tamanho de um armário, na sua frente perguntou-lhe com uma voz grave "qual é a senha?

Charles nesse momento ficou desesperado, ele não sabia que precisava de uma senha para entrar, então ele tentou a sorte, já que estava ali porque não tentar, então começou a falar coisas que vinha em sua cabeça, como: "A senha é tequila1984", ele pensou que poderia ser essa ou algo parecido pois como se tratava de um bar, seria normal a senha ter relação com nome de bebida, então juntou a bebida e o ano que estava. Infelizmente não era, tentou uma segunda diferente e não era, na terceira, o guarda o grudou pelo pescoço e jogou ele para o outro lado da rua, ele então, se levantou, se limpou e voltou para o carro, mas determinado ainda em voltar e entrar naquele bar. Ele então teve uma ideia.

Vindo para este lugar, ele tinha visto uma entrada de serviços localizada nos fundos do bar, com alguma sorte ela estaria aberta. Ele se esgueirou até a entrada, certificando-se que não havia ninguém ele se aproximou da porta e forçou, a princípio ela parecia trancada, porém, com o peso do seu corpo ela cedeu e abriu, o impulso fez com que ele se desequilibrasse e caísse de cara no chão, ao se levantar, se limpando da poeira, ele se viu em uma espécie de almoxarifado.

O almoxarifado era escuro, tinha um cheiro forte que ele não conseguia identificar, resolveu andar um pouco, para conhecer o lugar, quando percebeu a porta que ele tinha usado para entrar, se fechou. Ele saiu correndo para tentar abri-la, pois se algo desse errado, teria como fugir, mas foi em vão, a porta estava trancada, não conseguia abri-la, viu apenas um vulto saindo de perto da porta, estava claro, alguém trancou a porta de proposito, ele pensou, então ficou aflito, começou a andar pelo almoxarifado, em busca de conseguir chegar até uma porta que levasse ao bar. Charles encontrou, mas a porta não levava para um bar e sim...

para um corredor estreito e mal iluminado. O eco dos passos de Charles reverberava nas paredes frias e úmidas. Ele hesitou por um momento, mas a sensação de que algo estava errado o impulsionou a seguir em frente.

À medida que avançava pelo corredor, ele notou que as paredes estavam cobertas por manchas escuras, como se algo tivesse escorrido por ali. Uma sensação de arrepio percorreu sua espinha, mas ele tentou ignorar, convencendo-se de que era apenas sua mente brincando com ele. Ele seguiu pelo corredor guiado pela mesma música que ouvirá do lado de fora, mas por mais que andasse o corredor parecia nunca ter fim.

Quando se deu conta, estava perdido, ficou incrédulo de como aquele pequeno bar visto do lado de fora era tão grande do lado de dentro. Ele começou a andar e a música tocava repetidas vezes, virava para direita, para esquerda e via apenas corredores. Ficou confuso com tudo aquilo, parou de andar e se sentou, naquele chão frio, olhou para o chão desanimado, pois sentiu que iria morrer, e isso o frustrou pois não queria morrer sem ter feito algo extraordinário ou visto algo da mesma proporção. Viajando em seus pensamentos, observou um pequeno rato passar por ele, bem devagar, nesse momento deu um pulo e de forma cuidadosa começou a seguir o ratinho. Ele começou a andar e andar até que o ratinho o levou para uma porta, ela era escura, porém estava aberta, ele entrou devagar, se escondeu em seguida atrás de um móvel antigo, pois ouviu algumas vozes. Espionou e viu algumas mulheres dançando a mesma música que tocava sem parar desde que entrou no bar.

Ele nunca experimentara um alívio tão profundo em toda a sua vida. Finalmente, a visão de outras pessoas trouxe esperança ao seu coração. Levantou-se rapidamente e dirigiu-se a elas, ansioso por algum sinal de vida normal. Contudo, à medida que se aproximava, a atmosfera do bar começou a pesar sobre seus ombros, e a estranheza tornou-se palpável. A música que antes parecia acolhedora agora soava como uma sinfonia nauseante e sinistra. Ao observar mais de perto, percebeu que as pessoas ao redor não estavam dançando; estavam imóveis, como se estivessem congeladas no tempo, seus olhares fixos no vazio. Preocupado, ele se aproximou de uma mulher vestida de vermelho e tocou em seu ombro, mas ela permaneceu inerte. Com uma mistura de raiva e medo, ele sacudiu seu ombro, gritando por ajuda. Para sua horrível surpresa, a cabeça da mulher se desprendeu do corpo e caiu no chão.

Olhando com horror, percebeu que aquelas figuras eram, na verdade, manequins grotescamente realistas. A cabeça da mulher jazia no chão, fixando-o com cavidades vazias onde antes estavam seus olhos. O desespero tomou conta dele, nesse momento uma voz sussurrou ao seu ouvido.

"Charles... você não deveria estar aqui."

Nesse mesmo instante ele começou a procurar a dona da voz que o alertava, começou a andar naquele local, a procura, se entrelaçava entre os manequins e nada encontrou. Começou a investigar o local, a olhar mais de perto os manequins humanos em busca de encontrar alguma pista. Ele ficou observando e observando, e percebeu que as pessoas ali tinham a mesma tatuagem, seria então uma marca que o possível assassino poderia ter deixado em suas vítimas? Quem está fazendo aquilo? era uma pessoa normal ou era algum ser maligno? o que aquelas pessoas fizeram para terminar daquele jeito?

Ele tinha várias perguntas, mas nenhuma resposta, quando de repente ele ouve a mesma voz dizendo

" Dentro da cabeça de cada pessoa que está paralisada tem uma carta escrita a punho por elas mesmo, essa carta revela o motivo de terem esse final".

Charles ficou assustado, ele teria agora que abrir cabeças?

O coração de Charles acelerou, a ideia de ter que abrir as cabeças daqueles manequins era aterrorizante. No entanto, a voz insistente falava como se essa fosse a única maneira de encontrar respostas. Com relutância, ele se aproximou do manequim mais próximo e, com mãos trêmulas, começou a tocar na cabeça e abri-a, ele não conseguia mais diferenciar se aquilo era real ou falso.

Ao retirar o crânio ele deparou-se com um pedaço de papel dobrado. Ao desdobrá-lo, revelou-se uma carta escrita à mão. As palavras eram perturbadoras, revelando segredos sombrios, medos profundos e arrependimentos inconfessáveis. Enquanto lia a carta, ele percebeu que cada manequim tinha sua própria história, alguns eram vítimas de crimes hediondos, outros sucumbiram a tormentos emocionais insuportáveis.

A voz sussurrou novamente, explicando que essas almas estavam presas ali, condenadas a reviver eternamente os momentos que as levaram àquele destino terrível.

"Está na hora de se juntar a eles Charles"

Com horror, ele viu os manequins ganharem vida. Contorcendo-se em poses horripilantes como uma dança macabra, eles viraram e encaram o homem assustado. Ele sabia que se não fizesse nada morreria ali.

Ele arregalou os olhos e seu primeiro pensamento era fugir daquele local, daquele lugar, nesse momento amaldiçoou sua curiosidade. Os manequins iam se aproximando devagar e ele com medo começou a olhar aquele local de cima a baixo tentando achar uma saída, começou a recuar e recuar, até que acabou tropeçando em algo, quando viu era uma alça de um alçapão, ele então tinha alguns milésimos de segundo para puxar e entrar naquele buraco ou poderia morrer ali mesmo. Então ele decide jogar algumas caixas naqueles manequins para ganhar tempo, pois sim, ele iria entrar naquele alçapão. Pegou as caixas de madeiras, vazias e manchadas de sangue e começou a arremessar, conseguiu lançar 3 caixas que acertaram precisamente os manequins que estavam mais próximo dele, desmontando-os, era cabeças e braços rolando naquele lugar. Ele então aproveita e puxa a alça e entra correndo dentro daquele buraco escuro.

Ele correu e no desespero não percebeu o buraco à sua frente, caindo em um poço escuro e úmido, sem ter ideia de para onde estava indo. A escuridão era densa, no fim do buraco havia diversos corpos de manequins despedaçados, ele continuou a se arrastar pelo túnel estreito, guiado apenas pelo instinto de sobrevivência. Enquanto avançava, começou a ouvir vozes sussurrantes e risos distorcidos, ecoando pelas paredes do túnel, aumentando ainda mais seu desconforto. À medida que prosseguia, a escuridão começou a dissipar lentamente, um salão antigo e cavernoso se revelou à sua frente, tochas iluminavam o local e em uma mesa de pedra no meio do salão um corpo repousava, ao se aproximar ele viu do que se travava.

Era um manequim feito para imitar suas feições, era exatamente igual a ele, porém sem os olhos, das sombras uma figura encapuzada surgiu portando uma adaga.

-Você está em casa Charlie, aqui você nunca mais se sentira sozinho, aqui você vai poder dançar e aproveitar por toda a eternidade entre amigos, você só precisa aceitar.

Charlie ficou perplexo com a situação, estava sem palavras, ele não sabia mais se estava vivo, ou se ele agora era um fantasma, pois estava se vendo deitado em cima da mesa, sem os olhos, apenas seu corpo frio e sem cor. Se aproximou, começou a tocar naquele manequim ou estava tocando em si próprio?

A realidade se desfez, poderia ser apenas um delírio? O medo poderia ter afetado seu estado mental? Mais perguntas sem respostas, então o mago quebra o transe em que ele se encontra com uma pergunta:

"Charlie, venha comigo, te darei a vida eterna, será somente alegria, amigos, bebidas, mulheres. Você pode vir comigo ou pode se juntar ao manequim para sempre".

Charlie não viu escolhas, aceitou o convite do mago que rapidamente o pegou pelo braço e o tirou do local, levando- o para outro lugar.

Ótimo, esplendoroso...

O mago sorria enquanto abraçava Charlie, este por sua vez, totalmente inerte e entregue, sentiu frio ao ser abraçado e após isso algo espetou seu peito, ele sentiu algo quente e melado percorrendo seu corpo antes de começar a perder seus sentidos.

Zonzo e com dor de cabeça ele acordou em seu próprio carro, sentia o gosto e o cheiro do álcool da garrafa de tequila que ele havia tomado inteira. Ele havia desmaiado? Tudo aquilo não passou de um pesadelo horrível? Para ele isso já não importava mais, estava feliz e animado como nunca. Ele saiu do carro confiante e foi em direção ao bar.

-Qual a senha? - Perguntou o segurança.

-Uma dose de Ilusão-

O segurança saiu da frente liberando o caminho. Ao cruzar a porta, o ambiente familiar do bar o envolveu. O som da música alta, as luzes vibrantes e o aroma de álcool misturado com alegria. Sentindo-se em casa. Juntou-se aos amigos, que o cumprimentaram com tapinhas nas costas, ele sabia que nunca mais se sentiria sozinho, nunca mais teria que se preocupar com nada, a eternidade seria uma festa. Charlie sorriu.

Bemfica
Enviado por Bemfica em 02/01/2024
Reeditado em 02/01/2024
Código do texto: T7967283
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