RESENHA FINAL DO CURSO ARTE E CONHECIMENTO NA USP - 2008

(...) Os chineses dizem que, através de um jogo virtuoso e solene, podemos ficar mais próximos de descobrir a ordem objetiva do universo.

Estabelecemos canais de aprendizagem através dos contatos que temos com o outro e a aprendizagem não se restringe à sala de aula, ao contrário, muitas vezes o professor não propõe ao aluno uma aprendizagem significativa e a aula torna-se uma repetição alienante.

Espaços não formais de educação contribuem para o processo cognitivo por não conter certos formalismos que existem dentro do contexto escolar e por colocar o aluno diretamente em contato com a experiência; diante dessa minha percepção optei por relatar e analisar a oficina de teatro performático que ministro à adolescentes do bairro Tucuruvi, Zona Norte de São Paulo. (TRUPE ORTAÉTICA DE TEATRO PERFORMÁTICO)

Trabalho numa ONG com proposta de arte reflexiva, uma prática artística que não fique engessada como um pano de fundo, um suporte ou decoração a serviço de outros interesses como muitas vezes ocorre em escolas mal coordenadas, procuro dar sentido as aulas de arte no terceiro setor como um objeto de estudo e pesquisa, de percepções e sentidos apurados.

Um jogo cooperativo e não competitivo, assim classifico a linha performática de regras largas que consiste esse módulo de teatro.

Os adolescentes passam por todos os principais elementos que constituem a prática Cênica como o alongamento, o aquecimento, dinâmicas, jogos teatrais, improvisações, construção de cenas, jogos dramáticos, relaxamento e dicção, mas por se tratar de uma metodologia que propõe a reflexão das questões humanas e sociais, estes alunos (seres sociáveis) cidadãos em formação, depois de pesquisarem sobre significados de palavras (... AFETO, AFEIÇÃO, IMPESSOALIDADE, INÉRCIA... ETC.) estes preparam figurino e maquiagem, pensam como transmitir a mensagem da performance que farão através de símbolos corporais e somente então ganham as ruas para interagir com as pluralidades que passam por elas.

Muitas vezes os gestos são repetitivos para milhares de pessoas que passam na região do metrô (onde mais atuamos), mas cada gesto repetido busca a pesquisa, a percepção do outro, a reação, a análise e não se esvazia, pois recria na mente do artista que a apregoa um significado sempre diversificado. Essa repetição de gestos e movimentos corporais sempre é protagonista da ação transformadora. A meu ver um jogo simbólico, um jogo solene que nos conecta com as várias realidades.

Geralmente as performances são propostas para criticar, questionar e provocar certas sistematizações sociais, a seguir 2 exemplos interessantes para serem relatados.

ABRAÇOS GRÁTIS: Depois de pesquisar o significado da palavra “impessoalidade”, debatermos coletivamente e criarmos uma cena musical onde pudéssemos contrariar esse sentido, fomos as ruas caracterizados de “CLOWNS” ou seja, palhaços a fim de nos oferecer a população andante, como sempre atrasada, com pressa e impessoal, através de nosso abraço. As mais diferentes reações puderam ser captadas por foto e vídeo e posteriormente debatidas com o grupo.

“PELA JANELA” Dadas as circunstancias das coberturas jornalísticas, os adolescentes estavam diante de um caso cruel que a mídia fez espetáculo (Caso da garota Isabela Nardoni, supostamente atirada pela janela pelo próprio pai). A partir dessa inquietação, eu propus que fizéssemos uma performance com a temática “MAUS TRATOS ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES” e não somente focando no caso da garota recém assassinada, vizinha à nossa sede da ONG. Os adolescentes se mobilizaram para expressar no corpo a carga pesada desse horror.

Fizemos uma resignificação do caso, generalizando as barbáries contra as crianças, repudiando esse câncer social e não sendo específico a este ou aquele caso.

Palhaços tristes, sem graça alguma, com balões pretos amarrados ao corpo, semblantes de pânico, seguravam bebês sem cabeça nos braços e eram coagidos todo tempo por um ser de rosto e plumas pretas, olhar impugnante. Nas mãos dos palhaços haviam 6 placas:

1ª) O QUE VOCÊ ATIRA PELA JANELA???

2ª) CRIANÇAS SÃO COISAS???

3ª) ESTÃO VIOLANDO A INFÂNCIA!!!

4ª) DES

5ª) GRAÇA

6ª)HUMANO

Houve um jogo de palavras numa dança das placas, houve um jogo de olhares uma vez que não havia nenhum diálogo verbal falado e sobretudo aconteceu um “start” naqueles transeuntes que por lá passavam, pararam e leram as imagens cada um da sua forma.

Nestes casos o próprio processo de criação (procedimentos) era produto apreciado por nós e pelos demais que nos viam; as percepções eram relatadas e por mim transformadas em poesia.

“Assimilar é tornar meu” os jovens inseridos nesse contexto de pesquisa e experiência significativas se apropriaram dessas relações. Como todo conhecimento passa pela “SENSIBILIDADE” nos enriquecemos de combustíveis para mover o mote da percepção.

O que sobra, o que eu retiro de uma experiência? Fica um gosto, uma saudade, vem o “pedir de novo” repetir para novas identificações, substituições, possibilidades e ordenações; abstrair é tirar a parte selecionada para a sensibilização.

Estes gestos ainda conservam as naturezas sensíveis? Como é que eu faço as viagens conectivas? Como as atividades geram conhecimento através do par dialético: CONSERVAÇÃO/TRANSFORMAÇÃO? Para Piaget vale a pergunta:

“Diz-me em que te transformas, que eu te direis que és”

Para mim vale a resposta:

Investigadores sensíveis das intervenções urbanas!

O professor é sem dúvida o orientador dessas manifestações criativas:

“O professor viúvo da criatividade, faz da vazão dos alunos um velório coletivo”

Tiago Ortaet

Os vídeos das performances estão sendo editados e brevemente estarão à disposição no site youtube.

Tiago Geraldo do Nascimento (Tiago Ortaet)

tiagoortaet@yahoo.com.br