O ESTADO NO BRASIL E AS REFORMAS POLÍTICAS PLANEJADAS

Herick Limoni*

O ESTADO NO BRASIL E AS REFORMAS POLÍTICAS PLANEJADAS

Gileno Marcelino

Revista de Administração, São Paulo 23(4): 9 – 15, outubro/dezembro 1988

1 - INTRODUÇÃO

Os longos anos sob o julgo de governos não-democráticos legou ao Brasil aspectos culturais e mazelas sociais que em muito contribuíram para o atraso em nosso desenvolvimento. É espantoso imaginar que o país que é hoje a oitava economia mundial e considerado por muitos como o país do futuro, somente adotou o regime democrático há pouco mais de vinte anos. Muitos de nossos jovens, que hoje gozam de todas as benesses que esse tipo de regime oferece, não chegaram a sentir os efeitos dos regimes anteriores e outros tantos sequer haviam nascido.

Uma das questões que mais contribuíram para esse atraso no desenvolvimento foi a ausência, atraso ou incompletude de reformas administrativas que tivessem uma visão prospectiva, que abarcassem todas as áreas de interesse e que serviriam de base para ações futuras. Nesse contexto, o autor faz uma análise histórica das reformas planejadas levadas a efeito no país, dividida em três períodos: o primeiro (1937 a 1962), o segundo (após 1964) e o terceiro (após 1985). Para tanto, ele apresenta as principais características destes três períodos distintos e, por fim, faz uma análise avaliativa desses processos de reforma.

2 – SÍNTESE DA OBRA

2.1 – Principais características

2.1.1 – A reforma administrativa do Estado Novo

A reboque da Revolução de 1930 vieram algumas mudanças que ampliavam as funções do Estado, que, a partir de então, assume o papel de agente e promotor do crescimento econômico, reforçando a tendência de centralização. Uma das características mais marcantes desse período foi uma maior ênfase na reforma dos meios (atividades de administração em geral) do que na reforma dos fins (atividades substantivas).

Esse período caracteriza-se, também, pela criação de novos ministérios (Educação, Cultura e Saúde etc.), de órgãos centrais fortes (Departamento Administrativo do Serviço Público, por exemplo), de instrumentos legais (Código Penal, CLT etc.), além de várias autarquias, sociedades de economia mista, fundações e conselhos nacionais (CEF, DNER etc.), estrutura essa que ainda imperava em 1988 (cumpre salientar que, de lá para cá, houve mudanças significativas nessa estrutura, mormente pela extinção de alguns desses departamentos e ministérios e a criação de outros). Em razão disso é que é possível inferir que somente a partir de 1930 é que começa a se delinear, no Brasil, a moldura de um Estado Administrativo, cujo modelo era denominado modelo clássico.

Para Bertero (1985), a intervenção do Governo Vargas na vida econômica e social do país ocorreu, fundamentalmente, em três níveis: (1) criação de órgãos formuladores de políticas públicas, (2) expansão de órgãos permanentes da administração direta e (3) consolidação da tendência à expansão empresarial do Estado (note-se que essa última intervenção sofreu profundas alterações com o período da desestatização e de abertura econômica). Tal impulso reformista sofreu um colapso após a queda do Estado Novo, em 1945, e os dez anos seguintes foram marcados por estudos e projetos que não chegaram a se concretizar. Cabe destacar, nesse período, a década de 50, conhecida como a década do desenvolvimento, onde começou a se configurar um projeto nacional de desenvolvimento que visava a reorganização geral dos serviços públicos para o cumprimento de metas ambiciosas em termo de prazos e resultados.

2.1.2 – “Administração para o desenvolvimento”: a revisão da reforma

A partir de 1967, o chamado modelo clássico de administração foi praticamente substituído pelo modelo chamado administração para o desenvolvimento, cujas bases eram a expansão da intervenção do Estado na vida econômica e social e para a descentralização das atividades do setor público (é nesse período que a idéia de centralização começa a enfraquecer). Tal modelo tinha como premissas básicas a substituição de funcionários estatutários por celetistas e a criação de entidades da Administração Indireta para a realização da intervenção econômica do Estado. Tal fato ensejou na multiplicação de entidades da Administração Indireta fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e sociedades civis e limitadas. Essa multiplicação acabou por criar uma dicotomia entre a Administração Indireta (Estado tecnocrático e moderno) e a Administração Direta (Estado burocrático, formal e defasado). Em razão dessa defasagem estatal e das disfunções da burocracia que imperavam na época, caracterizada pelo formalismo excessivo, em 1979, foi designado o Ministro Extraordinário para a Desburocratização, visando diminuir as enormes diferenças entre as duas administrações.

2.1.3 – A Reforma Administrativa da Nova República

Esse novo período teve como marco a Exposição de Motivos de 03 de setembro de 1986, que delineou as diretrizes básicas e os princípios norteadores da reorganização estrutural e funcional da Administração Federal. Tais diretrizes foram assim sumariadas pelo autor:

RACIONALIZAÇÃO E CONTENÇÃO DE GASTOS PÚBLICOS – tal medida atendia à demanda social, à pressão da sociedade por contenção de gastos governamentais e visava, ao mesmo tempo, criar mecanismos e instrumentos para uma gestão eficiente. Dentre as medidas que compunham essa diretriz, destaca-se a criação do cadastro nacional de material permanente e o cadastro nacional de bens imóveis, da Administração Federal. Tal medida demonstra a fragilidade do controle estatal à época, que poderia traduzir-se em prejuízos aos cofres públicos e na disseminação da corrupção, em razão da impossibilidade de fiscalização por parte do poder público.

FORMULAÇÃO DE NOVA POLÍTICA DE RECURSOS HUMANOS – essa medida foi criada em razão dessa área ser prioritária para o governo, uma vez que uma administração eficiente se faz com recursos humanos eficientes, sem os quais nenhuma reforma terá êxito. Nesse sentido, finalmente cria-se um plano de carreiras baseado na meritocracia, uma das formas mais democráticas de ascensão profissional. Outro fator que demonstra a preocupação do governo com o funcionalismo foi a criação de dois instrumentos que visavam a reciclagem, o recrutamento de pessoal e a formação de novos quadros dirigentes: o Centro de Desenvolvimento da Administração Pública (CEDAM) e a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Dentre as medidas componentes dessa diretriz destaca-se a instituição de um cadastro que visava ao registro de todos os servidores da Administração Federal, os inativos e os pensionistas do Tesouro Nacional. Nos dias atuais é inconcebível se imaginar o Estado desinformado em relação à quantidade de servidores que fazem parte de sua folha de pagamento. Tal diagnóstico era, e ainda é de vital importância para se avaliar os impactos da folha de pagamento no orçamento e para servir, entre outras coisas, de base para a implementação de políticas de recrutamento, recomposição salarial etc.

RACIONALIZAÇÃO DA ESTRUTURA DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E DOS MECANISMOS DE TUTELA ADMINISTRATIVA – essa medida teve como característica a criação de um novo disciplinamento legal para licitações que, de certa forma, viabilizou os processos licitatórios.

3 – AVALIAÇÃO DOS PROCESSOS DE REFORMAS

Nesse tópico, o autor ressaltar que os momentos mais significativos de organização do Estado brasileiro ocorreram sempre sob o influxo de sistemas autoritários de governo, e que, por esse motivo, distantes da participação e do controle da sociedade. Ele ressalta que a reforma de 1936 ocorreu numa época caracterizada pelo conflito entre o executivo e o legislativo e pela ausência de partidos nacionais e de forças sociais organizadas.

Já a reforma de 1967 teve caráter nitidamente impositivo, valendo-se dos poderes extraordinários conferidos ao governo pelo Ato Institucional nº 04/66. Embora fruto do autoritarismo dos governos militares, o autor ressalta que a reforma ocorrida no referido período representou um grande avanço no sentido de aperfeiçoamento e modernização do serviço público brasileiro.

Com relação às reformas implantadas pelo governo da Nova República, o autor destaca que tal reforma, pela primeira vez na história brasileira, desenvolveu-se um processo de mudança e de reforma administrativa que, ainda que timidamente, abriu espaços para participação e discussão por todos os segmentos sociais. O autor argumenta, ainda, que tal processo sofreu sérias restrições em razão do momento de transição democrática, do período de conflito entre o executivo e o legislativo e, especialmente, em razão do período pré-constituinte.

4 – REFLEXÃO CRÍTICA

Fazendo-se uma analogia com nossas residências, quando estas apresentam infiltrações, escassez de dormitórios ou qualquer outro tipo de problema de ordem estrutural, uma reforma se faz necessária. E assim também o é com o Estado. Imaginemos, por exemplo, se o Brasil tivesse, hoje, a mesma estrutura de 1970, só que com um acréscimo de quase 100 milhões de habitantes. Com toda a certeza, a demanda por serviços públicos seria muito maior que a oferta. É em razão dessa necessidade de adaptação que surgem as reformas, como, por exemplo, as hoje tão faladas reforma da previdência e do judiciário.

Ainda que as reformas citadas pelo autor não tenham alcançado, plenamente, os resultados esperados, não se pode esquecer o contexto histórico da época em que foram planejadas e implementadas e suas contribuições para as reformas posteriores. Numa análise rasa, poderíamos caracterizar tais governos de incompetentes e ineficazes. Mas, como dito, tal análise só poderia ser feita se não se considerasse o contexto. Ainda que nos pareça estranho, as exigências sociais daquela época, ou a ausência delas, podem ter contribuído com o modelo que era adotado, assim como as exigências sociais de hoje influenciam em muito na implementação de políticas públicas e nos processos de reforma.

Assim como podem nos parecer defasadas e ineficientes as reformas implementadas antigamente, as gerações futuras podem ter essa mesma visão míope das reformas que foram ou estão sendo implementadas na atualidade. Portanto, necessário se faz, aos governos modernos, olhar o passado visando o futuro, a fim de identificar os acertos e minimizar os erros.

* Bacharel e Mestrando em Administração de Empresas, com ênfase em Segurança Pública e Defesa Social.