Sobre a sabedoria dos rios- no  olhar de Daniel da Rocha Leite
 
        

 
         Minha infância se mistura ao modo de vida simples que é viver em uma pequena cidade a Ilha do Marajó, um tempo de estudar a luz do candeeiro, jantar a luz da lamparina, ter faróis espalhados pela casa, o cheiro de querosene, as noites iluminadas pela luz das estrelas, e na frente de nossa casa meu pai rodeado por mim e muitos amigos, nos contando histórias, de matinta-perera, boitatá, mula sem cabeça, e tantas mais, que prendiam nossa atenção. Outra vivência marcante era olhar da janela da varanda de casa o mar encher e vazar, conhecer o barulho da maré, e ter a sensação da janela se movimentando, subindo e descendo (eram as águas). Entre sons de sapos e grilos, de noite, dormia-se ouvindo o ruído do mar. Vivi rios, em especial o Paracauarí que banhava os fundos de minha casa. Isso fez e faz diferença, no crescimento, no olhar, na vida. Um pequeno preâmbulo para dizer do quanto ler “A história das crianças que plantaram um rio” me conquistou.

 
 


         No nosso Pará, terrenos são rios, casas são barcos, ou o inverso disso. De Daniel já li tantos outros rios, que igual me comoveram até as lágrimas. Rios, meninos, meninas, mulheres, caboclos, águas, círios, girândolas, miritis, livros, viagens, realidades do norte sofrido, cheias, invasões, são marcas, personagens do que ele nos conta, com seu olhar terno, profundo, com a riqueza das palavras precisas, nos aguçando os sentidos, nos fazendo ver além do que julgamos política e ecologicamente corretos.
         Daniel proseia com seus personagens e nos leva juntos, na ilharga, nos sonhos, e nos presenteia, generosamente com essa partilha.
         A história das crianças que plantaram um rio me trouxe saudades, e cito aqui, do autor “aprendi que saudade é um jeito de se fechar os olhos e andar dentro da gente.”
          História de um menino como tantos dessas bandas, que vive o rio em sua intensidade, vive as cheias e o isolamento, que faz dele seu amigo, confidente, seu livro e seu brinquedo, que tem dúvidas, indaga, questiona e responde. Um menino quase peixe, um rio quase gente.
         Um menino e uma vó: a mulher sábia, dona de poucas, porém definitivas palavras. Aquela que conta histórias talvez só com o olhar. Que se faz entender assim. Que entende cada ruído, movimento do rio. A que aguça no menino ir mais além. Ao ouvir do rio, do próprio rio suas histórias.
“há mundos que os olhos é que ouvem, dizia a minha avó.”
 
         E é uma história de tristeza (reflexão), que fecha o livro (e abre mais nosso coração), de um dia o rio que se vai, de suas sombras que ficam da falta de rio, e depois da volta dele, pela chuva vinda nas mãos de todas as crianças e uma imensa tradução de nós, de cada um de nós, nossas secas e vazios, e de como sonhos podem revigorar, fazer florescer, fazer brotar rios e esperanças.
“A minha avó, o seu rio, a sua vida. A noite e as histórias em seus olhos.
Muito obrigado, vó. A senhora me deu uma vida. Viver é contar e recontar rios, histórias, lutas e sonhos.”


 


       A obra de Literatura Infanto Juvenil de Daniel da Rocha Leite recebe ilustrações de Maciste Costa, natural de Belém do Pará, Ilustrador, Artista plástico e escritor.
É o primeiro volume da Coleção Lamparina, Impresso pela Supercores, 2013.
 
Daniel da Rocha Leite sonhou as palavras e escreveu. Maciste Costa sonhou as imagens e ilustrou.”
 

 
 
Coleção Livro Lamparina
 
 
Seja diante das chamas tremeluzentes do fogo
 da luz de uma lamparina em uma casa de rio
 dentro da luz branca de um apartamento
 
 
desde o início
Até o para sempre
 
 
 
Viver é contar histórias
 
Daniel da Rocha Leite
 
                     


 
Roseane Namastê
Enviado por Roseane Namastê em 09/04/2015
Código do texto: T5200669
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