Fofocas, boatos, cobras e perigos

“Fofocas, boatos, cobras e perigos”

Das 10 mais perigosas, uma delas é a sucuri. Longa, pesada, aquática. Vai se enrolando na vítima, devido a proximidade; asfixia completamente. Mata quebrando os ossos, depois engole. É o falso amigo invejoso, que utiliza da intimidade para revelar fraquezas projetadas. Para escapar basta saber nadar e distanciar-se, o bote é de curto alcance.

Outra é a cascavel. Ainda bem que o chocalho anuncia a presença. O fofoqueiro escrotalus terrificus não consegue deixar de falar sobre a vítima. Sempre volta no assunto predileto. É reincidente. Para combatê-la, refute o ataque com ações claras. Verdade reina sempre.

Vamos para África, a naja. Com seu capelo – cabeça com duas marcas em forma de lira – inchado. Você, diante da veemência deste boateiro-mor, até acredita inicialmente nos danosos comentários. Mas caráter detrator o denuncia. Nada presta. Faça como mangusto, pequeno mustelídeo, agilmente salte sobre ela e suas declarações malditas e ataque. É tão peçonhento que não resiste a uma contracarga.

Ofídio encardido é a píton. Linda, longa, arbórea. Não se deixe enganar. Nessa postura “cool” e distante, vai delimitando território e sub-repticiamente agride. É dissimulada, enorme em vaidade e poder de barganha. Só uma saída. Retire-a do seu habitat natural, que é o ócio. Colocando-a para trabalhar fica dócil. Comum em repartições públicas comissionadas.

Jararaca ilhoa de Queimada Grande, no litoral paulista? Chega não se sabe de onde e nem porque. Aos poucos instila rede de intrigas tão fabulosa, que seu veneno concentrado atinge a todos. É profissional, utiliza seus métodos inclusive para ascendência pessoal. Mas como raramente sofre revides, se assusta quando alguém reage desmascarando-a. Neste caso, isole-a. Só consegue viver em grupo.

Australianas, mais venenosas do mundo. Devido ao caráter hostil desde pequenas, criadas em famílias interesseiras e fragmentadas, são mortais. Causam separações, danos financeiros. Pior, têm prazer em ver o circo pegar fogo. Taipan é a campeã. Pequena, certeira, insidiosa. Não há antídoto. Por isso o segredo é a identificação. Suspeite daquela que em silêncio vela o morto e acende a vela. Sabendo quem é, fica fácil escapar.

E a mamba negra? Imortalizada num filme de Tarantino, especializou no boato. Se descoberta, nega. Diz que “ouvi falar”, ou “imagino que”, “acho”. Espécie extremamente agressiva, direta. Não perdoa quem passa, metralhadora de grande repetição e alcance, atira para todos os lados. Aí está sua vulnerabilidade. Flancos são deixados abertos. Deve capturada e confrontada, ela assume a culpa. E se recolhe em sua insignificância moral.

Com um colorido esplêndido, coral verdadeira concentra veneno. Rara, porém incansável. Escolhe o alvo. Assim prossegue verbalizando como única razão para viver. Dissimulada, com objetivo doentio. Sua estratégia consiste em mergulhar no lodoso pântano dos segredos do adversário. Vê o objeto de calúnia como inimigo. E o destrói pouco a pouco até a mordida final, quando se revela. Reconheça algumas falas que são verídicas, pois ela se pauta em fatos reais e os aumenta. Depois, refute.

Enhydrina schistosa? A cobra-marinha? São mais de vinte espécies espalhadas em boates, botecos, criando boatos e cacarecos. São engraçadas, vivazes, um pouco infantis, até. Mas não menos mortais. Pois o que parece ser brincadeira, vai tomando um ar de seriedade venenosa. Quando você vê, está enredado nesta fabulosa fábrica de inverdades. Neste caso específico, entre no jogo e ria. Se você não se afeta, ela escolhe outro.

Por fim a cobra-cega, de duas-cabeças. Essa somos nós. Que inconseqüentes, vez por outra soltamos comentários maldosos. Não temos veneno, nem somos constritores sufocantes. Ferimos quem está próximo. Ocasionalmente quem amamos ou até aquela pessoa que tanto se destaca e nos incomoda. Tem um soro antiofídico imediato. O perdão. Só quem já foi mordido de cobra sabe que a fofoca dói e só passa se for assoprada e perdoada.

JB Alencastro

JB Alencastro
Enviado por JB Alencastro em 02/01/2008
Código do texto: T799609
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.